No aniversário da Pública, nossos repórteres contam coisas que aprenderam por aqui e que são fundamentais para fazer bom jornalismo

Neste dia 15 de março, a Agência Pública completa 10 anos de existência. As fundadoras da Pública, Marina Amaral e Natalia Viana, se conheceram trabalhando na revista Caros Amigos, por onde também passaram dois dos nossos editores: Andrea Dip e Thiago Domenici. Em 2010, Natalia Viana foi a única jornalista brasileira a participar da divulgação dos mais de 200 mil telegramas diplomáticos dos Estados Unidos com o Wikileaks. Ela contou essa história em uma newsletter seriada que publicamos ao longo dos últimos meses em parceria com o Canal Meio.

Foi juntando a experiência e os desafios enfrentados por repórteres mulheres na produção de reportagens investigativas marcadas pela defesa dos direitos humanos que a Pública nasceu há 10 anos, inovadora e destemida.

Lá em 2011, começamos trabalhando muito para mostrar para o Brasil os segredos revelados pelo vazamento do WikiLeaks sobre nosso país. Em 2012, passamos a investigar os impactos da Copa e da Olimpíada no Brasil, tema que perseguimos até pouco depois da realização dos jogos no Rio em 2016. Seguimos revelando histórias da ditadura militar e sempre investigamos quem está por trás da devastação da Amazônia e das injustiças contra as comunidades tradicionais. Nossas coberturas sobre temas como violência de gênero, fundamentalistas religiosos no poder, uso de agrotóxicos e intervenções militares influenciaram e ainda influenciam o debate público.

Continuamos aprendendo a cada pauta que investigamos, com cada entrevistado que decide nos contar sua história. Nossas reportagens são produzidas por uma redação vibrante, colaborativa e apaixonada pelo que faz.

No dia em que completamos uma década de Pública, compartilhamos aqui alguns dos grandes aprendizados de nossos repórteres nesses dez anos. É assim que fazemos jornalismo.

1. Cada história traz um desafio diferente

“Aprendi na Pública a questionar minhas próprias certezas. Um grande jornalista me disse uma vez que o Jornalismo é o exercício da dúvida. Não poderia concordar mais com essa frase. São os pontos de interrogação que brotam na cabeça de repórteres e editores que movem essa busca utópica e necessária de se aproximar da verdade factual. São eles também que nos levam à busca pela precisão para reportar corretamente o que apuramos, domando sempre nossas paixões e convicções prévias. Aprendi também que cada nova história traz novos desafios. Em quase dez anos de Pública, cobri os preparativos da Copa do Mundo, participei de especiais de cobertura da Amazônia, reportei a violência do Estado nas periferias urbanas, cobri quatro eleições. Cozinhei matérias a fogo baixo e no forno à lenha, tendo meses ou horas para trabalhar. Descobri que a experiência ajuda a evitar a repetição dos mesmos erros, mas também que absolutamente toda história traz novos desafios e aprendizados. É preciso respeitar a rua e ter coragem de encarar cada história com a autocrítica das primeiras vezes, usando a experiência prévia como referência, mas sempre abertos aos novos percalços que virão.”

Ciro Barros, repórter da Pública desde 2012

2. Não ignorar a pulga atrás da orelha

“Na minha recente e profunda experiência com o jornalismo investigativo — comecei a estagiar na Pública em março do ano passado —, um aprendizado se destacou: aprendi a prestar mais atenção em detalhes e não ignorar aquelas pequenas interrogações que aparecem na mente durante uma apuração. São como pulgas atrás da orelha, momentos de “e se?”, que surgem a partir de falas, frases ou detalhes menos óbvios. Eles às vezes se apresentam junto com a tentação de ignorar e continuar no caminho previsto, já que o caminho previsto já é longo. Porém, nesse último ano, buscar espantar essas pulgas e encontrar respostas para questões que poderiam parecer menores, mas não eram, me foi útil. Mais de uma vez, o processo me levou a situações que se transformaram em matérias, ou a novos tópicos nas matérias já previstas.”

Laura Scofield, estagiária de reportagem desde 2020

3. Juntar o máximo de informações

“Aprendi a nunca me satisfazer com pouca informação. Apenas uma declaração, uma fonte, um documento, um dado. Quando começo a olhar para uma história, tento cavar o máximo de informações, ouvir várias fontes, pesquisar bastante. A apuração é fundamental, assim como checar várias vezes as informações. É trabalhoso e leva tempo, mas é um papel fundamental que o jornalismo desempenha em uma época de tanta desinformação. Também busco me manter atenta e ouvir as pessoas no meu cotidiano. Muitas vezes as melhores histórias surgem nessas interações despretensiosas do dia a dia.”

Mariama Correia, repórter da Pública desde 2020

4. Buscar diversidade de perspectivas

“Um dos meus aprendizados mais valiosos em cinco anos de Agência Pública diz respeito à importância da pluralidade, essa poderosíssima ferramenta jornalística. Ouvir pessoas com vivências diferentes em relação à mesma história te ajuda a montar o quebra-cabeça de uma realidade que não é a sua, mas sobre a qual você precisa reportar – o que é uma responsabilidade tremenda. A diversidade de perspectivas apresenta novas fontes, fornece caminhos de reportagem e nos abre os olhos para nuances que, de início, podem ter passado despercebidas, porém não raro são essenciais para se contar uma história de maneira justa. Sem isso, fica muito mais difícil desvendar a complexidade das situações e cresce a chance de cairmos nas armadilhas do “preto no branco”. É verdade que nem sempre temos tempo e condições de acessar tantas pessoas – principalmente no meio de uma pandemia –, mas esse é o jornalismo que nos serve como norte na Pública. E esse jornalismo está diretamente ligado à diversidade de vozes dentro das próprias redações, que só têm a ganhar com repórteres, editores e diretores de distintas origens socioeconômicas, geográficas, raciais e de gênero.”

Anna Beatriz Anjos, repórter da Pública desde 2016

5. Atenção aos detalhes

“Jornalismo investigativo se aprende a fazer com prática. Não há outro caminho. A cada pauta se aprimora o olhar, se aguça a percepção, e começa a enxergar situações, contextos com mais clareza e expertise. Nesses últimos anos, em que humildemente venho aprendendo a investigar denúncias de violações de direitos humanos, até o momento, acredito que é fundamental olhar para os detalhes, para as histórias únicas, porém que ao mesmo tempo se repetem na vida de diversos brasileiros. Em geral, sinto que a imprensa está bastante focada no poder e o coloca no centro das discussões. Aprendi que as histórias de pessoas “comuns” são tão importantes para terem visibilidade quanto a agenda do presidente.”

José Cícero da Silva, fotógrafo, videomaker e repórter da Pública desde 2015

6. Ouvir quem sente na pele

“No mês em que a Agência Pública completa dez anos de existência, eu completo dois de casa. Nessa trajetória, de estagiário a repórter, não foi só o meu cargo que mudou. O jornalista que eu sou também mudou. Ao longo da graduação, a gente aprende a sempre buscar “especialistas”, fontes oficiais. E só. Na Pública, que não disfarça sua vocação de defesa dos direitos humanos – pelo contrário, faz questão de frisá-la –, eu entendi que ouvir vozes oficiais é, sim, fundamental. Mas não basta. É preciso dar voz a quem vivencia a realidade que está sendo retratada na reportagem. O jornalismo da Pública é feito por pessoas, ouvindo pessoas, sejam elas quem for. Esse é o jornalismo que aprendi a fazer aqui e é o que quero continuar fazendo.”

Rafael Oliveira, repórter da Pública, chegou como estagiário em 2019

7. Saber ouvir de verdade

“Saber ouvir é a habilidade mais importante que aprendi a cultivar como jornalista – primeiro como estagiária, depois como repórter e hoje como editora de audiências, meu cargo atual na Pública. Em qualquer entrevista, o significado está nas palavras verbalizadas, claro, mas também nas pausas, no tom de voz e nos silêncios, naquilo que não chega a ser dito. Quem escolhemos ouvir também é essencial. Existem pautas extraordinárias escondidas no cotidiano de pessoas comuns. Quando dedicamos tempo, criamos espaço e doamos nossa atenção para ouvir e compreender essas experiências diversas, conseguimos revelar histórias inéditas e urgentes, que precisam ser contadas.”

Giulia Afiune, Editora de Audiências, chegou na Pública como estagiária em 2013

8. Respeitar o tempo de cada história

Como repórter na Pública, tenho aprendido que há tempo. Para refletir, checar, repensar o melhor ângulo para uma história. Há tempo para ouvir opiniões, considerar mais algum dado, buscar alguém que pode estar precisando ser ouvido. Parece pequena e simples essa coisa de ‘ter tempo’. Mas nesse mundo ameaçado pela desinformação e atropelado pela velocidade frenética das notícias, saber que há tempo é um tanto raro. E significa muito.

Clarissa Levy, repórter da Pública desde 2020

9. Dados são histórias codificadas

“Um aprendizado que venho construindo a cada dia fazendo jornalismo investigativo – especificamente, um jornalismo orientado por dados – é o de pensar em dados além de provas, números, documentos. Acho que minha experiência de um ano na Pública me ajudou a enxergá-los como histórias codificadas. O código torna esses casos e as pessoas por trás delas “escondidos”, e pode ser bastante conveniente para alguns grupos poderosos mantê-los assim. Foi decodificando essas histórias que tive uma série de outros aprendizados neste período, como a importância do trabalho colaborativo, da transparência e da insistência numa investigação.”

Bianca Muniz, estagiária de jornalismo de dados desde 2020

10. Colaboração é o futuro do jornalismo

“Em 2017, entrei na Pública como estagiária para ocupar uma vaga temporária. Estava no último semestre da faculdade, e o trabalho das mulheres no jornalismo investigativo sempre despertou o meu interesse. Aqui, pude acompanhar de perto o desenvolvimento de grandes reportagens e projetos jornalísticos. O maior aprendizado que tive durante esses anos trabalhando na Pública é entender a colaboração como chave para o futuro do jornalismo. A experiência nos mostrou que a parceria com outros veículos e a participação da audiência são essenciais em um momento de sucessivos ataques à democracia e ao jornalismo. Sigamos!”

Caroline Farah, secretária de redação, chegou como estagiária de reportagem em 2017

11. Fazer jornalismo é retornar, às vezes de mãos cheias, às vezes de mãos vazias

“Meu avô era vendedor de pequenas coisas em trens: fubá, cachaça, vassoura, sabão. Pegava a estrada de ferro e disparava dias, semanas a fio, numa romaria mineira com prazo indefinido e destino incerto. Retornava, às vezes, após muitas vendas; outras, depois de poucas. E lá ia seu Alberto, inevitavelmente, tomar o próximo trem.

“Não tem mais mundo pra todo mundo”, diz Deborah Danowski
A filósofa, que pesquisa há anos “a quebra da relação do homem com o mundo”, diz que a pandemia foi “uma pancada”, mas a sociedade ainda não percebeu a extensão e a urgência do colapso ecológico, em parte pela ação dos negacionistas financiados pela elite

Na Pública, aprendi que fazer jornalismo investigativo é como entrar nesse itinerário de caixeiro viajante: a gente embarca num vagão com algum rumo na cabeça, sabe-se lá quando chega e o que irá encontrar no caminho. Às vezes, topamos com viagens de meses; outras, paradas curtas e inesperadas, dessas que é preciso saltar com o trem em movimento.

Aprendi que há histórias que são pé no chão, olho no olho, com sol, mosquito e gente de carne e osso. Já conversei com moradores angustiados à beira do rio sujo, gente sem teto nos centros das grandes capitais, político de chapéu de vaqueiro que tenta resolver tudo na base do grito e da faca. Mas também aprendi que há muitas histórias em páginas descarnadas de planilhas, de documentos que exalam um tédio burocrático, mas que movimentam montanhas de dinheiro, dão rumos ao país e fazem e desfazem direitos dessas mesmas pessoas de carne e osso que as outras histórias contam.

Em mais de sete anos na Pública, aprendi a checar gente importante e a dar importância para histórias que poderiam passar despercebidas. Errei, duvidei e ainda erro e duvido. Sofri, e sofro muito nessa viagem que hoje está num momento triste e difícil. Mas aprendi também que jornalismo é retornar, de mãos cheias ou vazias, e ir, inevitavelmente, atrás da próxima história.”

Bruno Fonseca, editor e repórter multimídia, na Pública desde 2013

12. Bom jornalismo se faz com apuração criteriosa e cautelosa

Na Agência Pública, eu aprendi como se faz bom jornalismo, um jornalismo sem amarras, combativo, que se preocupa em investigar as grandes questões do país, com uma apuração criteriosa e cautelosa, um jornalismo que é verdadeiramente pautado pelo interesse público, um jornalismo que está atento às violações de direitos humanos e que amplifica vozes geralmente abafadas. Vida longa à Pública!