Por Altamiro Borges

No sábado (08), o Brasil superou a triste marca de 100 mil óbitos pela Covid-19. O “capetão” Jair Bolsonaro, apologista do ódio, da tortura e da morte, preferiu novamente evitar a solidariedade aos familiares e amigos. Postou apenas uma mensagem fria, anódina, nas redes sociais – com menos destaque do que suas postagens sobre o título do campeonato paulista. O presidente negacionista e fascista procura fugir do assunto. Mas ele será lembrado como o principal responsável por essa matança, como um genocida sem escrúpulos.

Suas frases abjetas e desumanas sempre virão à tona. Reproduzo abaixo trechos do levantamento feito pelo UOL do seu piriri verborrágico durante a pandemia e também um artigo incisivo assinado pelos presidentes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns (Comissão Arns), Academia Brasileira de Ciências (ABC), Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

O piriri verborrágico de Bolsonaro

“Tem a questão do coronavírus também que, no meu entender, está superdimensionado o poder destruidor desse vírus” – 9 de março, com 25 casos oficiais da Covid;

“Esse vírus trouxe certa histeria. Tem alguns governadores, no meu entender, posso até estar errado, que estão tomando medidas que vão prejudicar e muito a nossa economia” – 17 de março; 291 casos e 1 morte;

“Pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria. Seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho” – 24 de março; 2.201 casos e 46 mortes;

“O vírus tá aí, vamos ter de enfrentá-lo, mas enfrentar como homem, pô, não como moleque. Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida, todos nós vamos morrer um dia” – 29 de março; 4.256 casos e 136 mortes;

“O vírus é igual a uma chuva. Ela vem e você vai se molhar, mas não vai morrer afogado” – 01 de abril; 6.840 casos e 241 mortes;

“Quarenta dias depois, parece que está começando a ir embora a questão do vírus”. 12 de abril; 22.169 casos e 1.123 mortes;

“Ô, ô, ô, cara. Eu não sou coveiro, tá?” – 20 de abril; 40.581 casos e 2.575 mortes;

“E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre” – 28 de abril; 71.886 casos e 5.017 mortes;

“A gente lamenta todos os mortos, mas é o destino de todo mundo” – 02 de junho; 555.383 casos e 31.199 mortes;

“Depois de 20 dias dentro de casa, a gente pega outros problemas. Eu peguei mofo, mofo no pulmão” – 30 de julho; 2.610.102 casos e 91.263 mortes;

“Eu sabia que um dia ia pegar. Infelizmente, acho que quase todos vocês vão pegar um dia. Tem medo do quê? Enfrenta! (…) Lamento. Lamento as mortes. Morre gente todos os dias de uma série de causas. É a vida, é a vida” – 31 de julho: 2.662.485 casos e 92.475 mortes;

“A gente lamenta todas as mortes, vamos chegar a 100 mil, mas vamos tocar a vida e se safar desse problema” – 06 de agosto: 2.912.212 casos e 98.493 mortes;

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Perdemos 100 mil vidas

Movidos por compaixão, declaramos nossa proximidade com todas as famílias enlutadas no país, reverentes que somos aos 100 mil mortos vitimados pela atual pandemia e suas consequências.

Não se trata de uma fatalidade, mas de uma tragédia humana que poderia ter sido evitada.

Em 7 de abril deste ano, Dia Mundial da Saúde, as entidades que hoje assinam este artigo juntaram suas vozes para lançar o “Pacto pela Vida e Pelo Brasil”, um alerta à sociedade brasileira sobre a crise que avançava no país – crise não apenas sanitária, mas social, econômica e política.

O Brasil contabilizava, então, 14.049 pessoas infectadas e 688 mortos pelo novo coronavírus.

Passados quatro meses, essa crise humanitária ganhou patamar bem mais elevado: com cerca de 3 milhões de infectados, hoje o país se curva diante da triste marca de mais de 100 mil mortos pela Covid-19, sem ações articuladas e alinhadas à altura de mudar este cenário preocupante.

Sabia-se que a pandemia poderia assumir proporções importantes no Brasil, um país com imensa desigualdade regional e social, concentração de renda, altas taxas de desemprego, economia em decadência, atendimento público à saúde fragilizado e um vergonhoso índice de saneamento básico.

Sabia-se, também, que o enfrentamento daquele vírus até então pouco conhecido, de contágio fácil e efeitos devastadores, oferecia um importante rumo a seguir: o isolamento social, para quebrar a cadeia de transmissão e dar tempo para a organização do sistema de saúde diante do esperado aumento de casos.

Foi exatamente isso o que preconizou a Organização Mundial da Saúde (OMS) em consonância com os melhores centros de pesquisa em saúde do mundo.

No entanto, o Brasil trilhou o caminho da insensatez.

Ao mesmo tempo em que o Ministério da Saúde defendia que o país seguisse as normas da OMS — inclusive com base no que ocorrera em outros países —, autoridades faziam, publicamente, afirmações que negavam a evidência científica, como a de comparar a Covid-19 a uma “gripezinha” e a de propagandear um medicamento não certificado por diferentes fontes científicas, além de estimular aglomerações e o contato físico com pessoas desprotegidas.

Desde a divulgação do “Pacto pela Vida e pelo Brasil”, foram 120 dias de turbulências políticas e de ausência de um plano nacional coerente para combate à pandemia.

As medidas de enfrentamento dos efeitos da Covid-19, especialmente no que diz respeito às populações mais vulneráveis, deixam muito a desejar.

A renda emergencial colocada à disposição dos mais pobres, embora seja uma resposta imediata, está longe de sanar as necessidades básicas de cerca de 50 milhões de brasileiros.

A transferência de recursos a estados e municípios para o enfrentamento da pandemia, aprovada pelo Congresso, ainda não chegou ao patamar de 35%.

A lei 14.021/20, estabelecendo ações emergenciais de saúde em comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais, foi sancionada com vetos a serem urgentemente derrubados – entre eles, vetos à obrigatoriedade de acesso à água potável, a serviços de saúde de média e alta complexidade, à oferta emergencial de leitos hospitalares e UTIs e à disponibilização de ventiladores e outros equipamentos médicos.

A responsabilização por esta tragédia humana não pode deixar de ser feita.

É evidente que o Brasil tem sido abalado pela força da própria pandemia, mas também tem sido duramente castigado pela incapacidade do governo federal em unir o país numa hora tão difícil, atuar de forma republicana em articulação com governadores, prefeitos e Poder Legislativo, e levar em consideração as orientações da ciência, das organizações de saúde, das entidades médicas e de saúde pública.

Deixamos registrada nossa solidariedade aos profissionais da saúde e aos trabalhadores de serviços essenciais que têm estado na linha de frente da batalha contra o novo coronavírus, muitas vezes em condições precárias e de alto risco.

Em memória das vítimas da Covid-19, exortamos a todos, brasileiras e brasileiros, mulheres e homens de boa vontade, a se juntarem neste momento de luto e reflexão.

Certamente, a melhor forma de homenagear os que partiram será a nossa união para exigir respeito à vida e responsabilidade com o destino de 210 milhões de brasileiros, no exercício de práticas cidadãs que construam um novo tempo para o Brasil.

* Dom Walmor Oliveira de Azevedo – Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

* Felipe Santa Cruz – Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

* José Carlos Dias – Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns

* Luiz Davidovich – Presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC)

* Paulo Jeronimo de Sousa – Presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)

* Ildeu de Castro Moreira – Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)