A Justiça alemã condenou nesta quarta-feira (24/02) um ex-membro dos serviços secretos sírios a quatro anos e meio de prisão por cumplicidade em crimes contra a humanidade cometidos pelo regime do presidente Bashar al-Assad.

Esse foi o primeiro julgamento no mundo ligado aos crimes atribuídos ao regime sírio, quase dez anos depois do início da guerra civil na Síria, em 15 de março de 2011. A acusação afirmou que o condenado foi peça de um sistema em que a tortura era praticada numa escala quase industrial.

Um tribunal da cidade de Koblenz considerou o sírio Eyad A, de 44 anos, culpado de ter participado na detenção, em setembro ou outubro de 2011, de pelo menos 30 manifestantes em Duma, capital da região de Ghouta Oriental, e na transferência deles para um centro de detenção secreto dos serviços de informações conhecido como Al-Khatib (A divisão 251), onde foram torturados.

Eyad A. serviu nos escalões mais baixos dos serviços secretos antes de desertar, em 2012, e depois fugir da Síria, em fevereiro de 2013. Ele chegou à Alemanha em abril de 2018, após uma longa odisseia na Turquia e depois na Grécia, e nunca escondeu seu passado.

A Justiça alemã começou a se interessar por ele justamente depois de ele relatar seu percurso às autoridades responsáveis por decidir sobre o seu pedido de refúgio. Ele acabou detido em fevereiro de 2019.

A defesa dele pediu absolvição, argumentado que ele poderia ter sido morto se não tivesse cumprido as ordens que recebera. Os advogados dele também disseram que, apesar de ter ajudado a deter manifestantes contrários ao regime sírio, o agente não executou as ordens superiores para matá-los.

O ministro alemão do Exterior, Heiko Maas, saudou a condenação. “Este é um veredicto histórico. É o primeiro veredicto que responsabiliza os responsáveis por tortura na Síria e que pelo menos cria um pouco de justiça”, escreveu no Twitter. “A decisão tem um elevado significado simbólico para muitas pessoas, não apenas na Síria.”

Segundo réu ainda em julgamento

Eyad A. foi o primeiro de dois réus que compareceram perante o tribunal a receber a sentença, pois os juízes decidiram dividir o processo.

O principal acusado no caso, Anwar R., de 58 anos, é um antigo coronel com um papel mais importante no aparelho de segurança da Síria. Assim como Eyad A., Anwar R. também chegou à Alemanha como requerente de refúgio e também foi detido em fevereiro de 2019.

Ele está sendo julgado por crimes contra a humanidade devido à morte de 58 pessoas e a tortura de 4 mil detidos. O seu julgamento deve prosseguir até o fim de outubro.

Para os julgar, a Alemanha aplicou o princípio da jurisdição universal, que permite que os autores de crimes como genocídio, crimes de guerra ou crimes como a humanidade sejam processados em cortes locais quando não houve recurso às cortes internacionais, independentemente da nacionalidade e do local onde os crimes foram cometidos.

Esse princípio não vale para chefes de Estado, como Assad. Porém, os investigadores alemães também recolheram evidências contra o presidente sírio, e essas poderão vir a ser usadas mais tarde em outros tribunais.

Mais de uma dezena de sírios testemunharam no tribunal sobre os abusos que sofreram na prisão de Al-Khatib. Alguns foram entrevistados com o rosto escondido ou disfarçados com uma peruca por medo de represálias contra seus familiares ainda na Síria.

A corte também analisou fotografias do chamado Dossiê César, codinome de um ex-fotógrafo da polícia militar síria que conseguiu retirar da Síria, arriscando a vida, mais de 50 mil fotos que mostram milhares de pessoas mortas ou torturadas pelo regime de Assad.

 

Fonte: Deutsche Welle (DW)