O colunista e editor do 247, Gustavo Conde, afirma que a popularidade de Bolsonaro é um recado ao país. Ele diz: “trágica ironia é que, neste momento, estamos testemunhando a consagração desse simulacro erigido com cifras de ódio do nosso jornalismo cativo: 1) Bolsonaro mente a todos 24 horas por dia, 2) repórteres cativos não desmentem”

O auxílio emergencial foi dado pela oposição ao país e Bolsonaro é que tira vantagem.

Governar com fake news é fácil.

Mas não só. Os institutos de pesquisa não perguntam para o eleitor: “que nota você dá à oposição a Bolsonaro, de 0 a 10?).

A mentira está em todo o lugar.

Quem quer circunscrever a mentira é o mais mentiroso de todos (o jornalismo-profissional-siga-o-dinheiro-que-não-segue-o-dinheiro-do-patrão).

O dilema é claro: entre Bolsonaro e jornalismo subdesenvolvido, a gente opta pelo jornalismo subdesenvolvido.

Entre Bolsonaro e sistema secular de esmagamento estabelecido, a gente opta pelo sistema secular de esmagamento estabelecido.

Mas a verdade é que ambos nos esfolam a carne e a alma (e, consequentemente, a vida).

A conta dos 100 mil mortos é de Bolsonaro, mas é desse jornalismo de quinta categoria que não fustiga seu genocida de estimação nem um milésimo do que fustigou Dilma Rousseff, provavelmente a mulher mais honesta do país (que chega a ruborizar a nossa elite semi-intelectual burra de tanta honestidade – “como é possível ser tão honesto assim?”).

Nós vivemos agora outro tipo de terror: o terror transverso da precarização leitora, oriundo do fantasma-simulacro que esse bando de jornalistas pelegos inoculou nos nossos já combalidos processos de interpretação de texto.

Criticava-se o PT por ele ter criado um cinturão de proteção social paralelo à maior planta de investimentos públicos e privados que o Brasil já experimentou.

Um governo com um bolsa-família jamais perderia uma eleição na elucubração tosca dos nossos intelectuais de butique, não raro oriundos da direita concursada.

O caso é que, para horror dessa casta de boçais proto bolsonaristas, o PT é um partido democrático que tem na democracia seu valor mais perene e dominante.

O PT não aparelhou o Estado como o genocida de estimação vem fazendo sob a chancela envergonhada dessa imprensa passadora de pano.

O PT deu autonomia política às pessoas.

Fazer um intelectual brasileiro entender isso é como tentar passar um elefante por debaixo da porta (a língua humana é ingrata com todos, não só com os não escolarizados e os mais pobres).

Trágica ironia é que, neste momento, estamos testemunhando a consagração desse simulacro erigido com cifras de ódio do nosso jornalismo cativo: 1) Bolsonaro mente a todos 24 horas por dia, 2) repórteres cativos não desmentem, 3) institutos de pesquisa atrofiados na metodologia da pesquisa “confirmatória” carimbam o fenômeno e 4) temos Bolsonaro alçando às alturas de popularidade.

Um genocida, fascista, truculento, corrupto, carniceiro, populista e miliciano. A cara da nossa elite “intelectual”.

Nunca a elite brasileira esteve tão bem representada.

E não só: ela garante sua representação com a aprovação dos trabalhadores pobres que ganham o auxílio emergencial (que foi concedido pela oposição) e lava as mãos imundas de sangue rejeitando Bolsonaro em artigos perfumados de jornais corporativos.

É o melhor dos mundos: Bolsonaro fica e vai ficando com o apoio do povo pobre e eu, do alto da minha sofisticação subjetiva, posso, inclusive, criticar esse povo, essa pesquisa e esse “absurdo” que é ter um genocida popular que infecta e mata.

Estamos ainda todos confusos e com medo. O Brasil atravessa a sua pandemia de medo. Medo e indigência cognitiva. 55 anos de Globo – coroados com a ascensão do horror político que é Bolsonaro – fritaram nossa capacidade de julgamento.

É tarde para querer que Lula e o PT deem um jeito nessa avacalhação assassina de país mais uma vez. Nosso jornalismo já empesteou o processo democrático de novo. É ciclo de 20 anos para mais.

Se eu estou pessimista? Cético? Eu abomino esses sentimentos pequeno-burgueses de gente podre e cansada. Eu não me canso (por isso escrevo nesse tom).

A resposta é: a luta só aumenta. Eu não vivo da luta, eu vivo NA luta. É só isso que existe. O resto é frescura de gente eurocêntrica e vira-lata.

O fato é que o modo-berço-esplêndido de deixar o outro resolver tudo para mim é uma das maiores abominações da natureza política deste país.

Nós, que respeitamos a democracia e a vida humana, deveríamos nutrir, no mínimo, um sentimento de gratidão com o PT e ajudá-lo a também sair do imobilismo – não cobrá-lo ou apenas cobrá-lo.

O PT, nossa maior reserva de democracia, foi e é o partido mais atacado da história (o que só confirma sua vocação democrática real).

É um partido cascudo, forte, que aguenta a pancada.

Mas 40 anos de pancada é um pouco demais, até porque testemunhar a docilidade com que nossas elites e jornalismo tratam Bolsonaro edifica uma dor política de proporções desumanas e inconcebíveis.

Como tratar Dilma Rousseff daquele jeito e Bolsonaro deste?

Em tempo e para concluir: se não colocarmos a mão na massa para reverter esse quadro catastrófico, estaremos sendo genocidas tal qual Bolsonaro, tal qual a nossa imprensa de acoelhamento.

Nunca é tarde demais para começar.