Confinada desde o último domingo, a doméstica Edilândia é amparada pelo médico Luiz Barbosa e enfermeira

Esquema de atendimento médico de urgência e apelos de líderes comunitários por isolamento não são capazes de conter coronavírus na favela de São Paulo. Em duas semanas, suspeitas de infecção saltam de 60 para 200.

A ambulância privada sofre para atravessar as ruas apertadas e cheias de pessoas e veículos da favela de Paraisópolis e conseguir chegar a uma das vielas da comunidade de 100 mil habitantes na zona sul de São Paulo. Desde o começo desta semana, a equipe  realiza de 20 a 30 atendimentos por dia, quase todos de casos suspeitos de covid-19, a doença respiratória causada pelo novo coronavírus.

“Há algumas semanas temíamos que isso fosse acontecer. São muitas pessoas relatando os sintomas típicos [da covid-19], de febre, dificuldade para respirar, ausência do paladar. Da noite de ontem à manhã de hoje, mal paramos na base”, conta o médico cardiologista especialista em urgências Luiz Carlos Barbosa.

Se duas semanas atrás a comunidade somava 60 casos com sintomas típicos da doença, atualmente são 200 casos. Na cidade de São Paulo, epicentro do novo coronavírus no Brasil, até esta quarta-feira (15/04), foram confirmados mais de 8 mil casos, e 563 mortes, segundo dados da prefeitura. Dada a falta de testes para diagnóstico, estima-se que os números reais sejam maiores que os oficiais.

Barbosa faz parte de uma equipe de emergência de sete pessoas, composta por médicos, enfermeiros e socorristas e contratada pela associação de moradores por 6 mil reais por dia para compensar a falta de atenção de urgência pública dentro da favela. Apesar de contar com três postos de atendimento médico e um serviço mais complexo com funcionamento 24 horas, não há uma base do Samu, o serviço público de atendimento a urgências.

“Às vezes o Samu não entra na favela, e quando entra, leva seis, oito horas pra chegar. Enquanto isso, a pessoa fica passando mal”, reclama o diretor da Associação de Moradores de Paraisópolis, Gilson Rodrigues. Aonde o Samu não chega, as ambulâncias de Barbosa e seus colegas vão em cinco minutos.

Ambulância em ParaisópolisUma das ambulâncias contratadas pela comunidade se espreme entre carros e pessoas para chegar a paciente

Foi esse o tempo que levou para atender a doméstica Edilândia de Medeiros, de 34 anos, socorrida com falta de ar e dificuldade para respirar dentro da sua casa de 6 m². No último domingo, ela já havia se sentido mal, mas evitou ir até o hospital justamente por causa dos casos de coronavírus. “Fiquei com medo, porque lá estão pegando muitos casos, por isso preferi o atendimento em casa”, conta.

“Chegamos aqui, e ela tinha febre, muita dificuldade para respirar, dor de cabeça e nos olhos – todos sintomas típicos da covid-19”, conta Barbosa. Com melhora nos sintomas, Edilândia não precisou ser encaminhada para o hospital, recebendo apenas medicação para os pulmões na ambulância UTI, mas deve ficar isolada e em observação nos próximos dias para que seja avaliada sua capacidade de oxigenação do sangue.

Rede de atenção

O chamado por socorro foi feito pelo “presidente de rua” de onde mora Edilândia, que calculou o tempo para a chegada da ambulância. O cargo foi criado por Paraisópolis e deve ser replicado em outras 360 favelas do país como resposta à crise econômica e sanitária que o vírus causou.

“Funciona como uma rede: os 420 presidentes de rua cuidam de 50 casas cada um. Quando há uma urgência, eles ligam para mim ou meu colega, que coordenamos e acompanhamos os socorristas até os pacientes”, explica a coordenadora e moradora de Paraisópolis Renata Alves. Desde que o número de casos de covid-19 explodiu, ela passa a maior parte do tempo na base improvisada em um centro comunitário e com o celular à mão.

Pessoas com máscara em Paraisópolis
Renata (dir), membro da diretoria da associação de moradores, auxilia equipe privada de atendimento

Nas últimas semanas, o centro, que em tempos normais oferece serviços de apoio a idosos e jovens, se tornou uma espécie de posto de comando da associação de moradores no combate ao novo coronavírus e seus efeitos sobre a carente comunidade. As equipes de socorro que antes ocupavam uma oficina e ateliê emprestados agora têm alojamentos próprios improvisados.

É lá que Enderson Marcos vem morando e deve morar pelos próximos três meses. “Com o aumento dos casos por aqui, o contrato que era de 30 dias se tornou de 90”, conta o enfermeiro.

As equipes agora aguardam a conclusão de outro projeto da associação para controlar a disseminação da doença: um centro de isolamento de infectados, com capacidade para 250 pessoas.

Com 45 mil pessoas por km², segundo o IBGE, a favela tem a maior densidade populacional do Brasil e abriga residências pequenas e muitas pessoas reunidas, o que faz com que o isolamento social seja virtualmente impossível em Paraisópolis. Por enquanto, o máximo que os médicos conseguem fazer é recomendar o isolamento das pessoas mais vulneráveis ou diagnosticadas com o novo coronavírus.

Disseminação para áreas mais vulneráveis

Os primeiros casos de covid-19 foram registrados entre a população rica de São Paulo, principalmente pessoas vindas da Europa e dos Estados Unidos. Agora, o vírus já vem se espalhando de forma consistente para áreas mais pobres da maior região metropolitana do país, onde moram mais de 21 milhões de pessoas.

Na última semana, as cidades que registraram o maior crescimento nos casos confirmados de covid-19 foram justamente municípios da Grande São Paulo com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais baixo, como Osasco, Guarulhos e Diadema. Na cidade de São Paulo, a prefeitura conta com a ocupação de metade dos leitos comuns e de UTI reservados para pacientes com o novo coronavírus. Em Santo André, por exemplo, este número é de 80%. Oficialmente, o Brasil tem 28.320 casos confirmados e 1.736 mortes por covid-19.

ParaisópolisAlta densidade populacional em Paraisópolis é desafio para isolamento social

Segundo dados da associação de moradores, dos 100 mil habitantes de Paraisópolis contabilizados pelo IBGE, 20 mil são idosos. Estes compõem o grupo mais vulnerável à contaminação pelo novo coronavírus e, de acordo com o diretor Rodrigues, são monitorados constantemente pela comunidade.

O monitoramento vem se provando eficaz no dia a dia. Foi uma vizinha de Martins da Silva que chamou o atendimento médico ao ouvi-lo tossir muito. O senhor de 76 anos vive sozinho em uma pequena casa e recebe alimentos e medicamentos de pessoas próximas, já que lhe foi recomendado manter a quarentena.

Apesar do chamado às pressas, a equipe de urgência identificou o caso como um alarme falso. “A saúde de Martins está melhor que a minha. Seria bom se todos os casos que atendemos fossem assim”, diz Barbosa, pouco antes de sua ambulância voltar à base em meio a ruas repletas de pessoas despreocupadas em um começo de tarde.

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