Os infectados pela COVID-19 em São Paulo foram contaminados pela variante brasileira do coronavírus, chamada de P1. A Sputnik conversou com três especialistas para compreender os riscos que essa mutação representa no combate à pandemia no Brasil.
Um levantamento realizado pela prefeitura de São Paulo, em parceria com USP, mostrou que 64% dos infectados pelo coronavírus na cidade paulista foram contaminados pela variante brasileira da COVID-19, chamada de P1. O estudo também mostrou que 78% das infecções analisadas na cidade dizem respeito às variantes britânica e brasileira.
É neste cenário que a capital paulista registra mais mil óbitos diários há três dias seguidos. Diante da gravidade dos acontecimentos, a Sputnik Brasil conversou com três especialistas para explicar o que está acontecendo em São Paulo. Eles falaram sobre UTIs, novas variantes, isolamento social, vacinas, e, claro, os desafios que estão por vir no enfrentamento da pandemia.
Uma doença mais transmissível
Um dos pontos de convergência entre os três especialistas ouvidos por estar reportagem é a inexorabilidade de um vírus mais transmissível. A professora Keity Souza Santos, do Instituto de Imunologia da FMUSP, e a pesquisadora Verônica Coelho, do laboratório de Imunologia do Incor, apresentaram uma explicação conjunta para esta questão.
“Há três trabalhos brasileiros, ainda em estágio de revisão, mostrando, por modelagem matemática, que a variante P.1 é mais transmissível, até 2,5 vezes mais. Nos três trabalhos, aponta-se a coincidência do aumento expressivo de casos, em Manaus, com o surgimento da P.1, reforçando o dado de maior capacidade de transmissão”, disseram.
O professor Leandro Lobo, biólogo da UFRJ, concorda com este entendimento. Ele aponta que os dados sobre a letalidade da nova variante ainda são desconhecidos, pois carecem “de mais estudos”. Porém, diz ele, “uma carga viral mais alta contribui para uma maior transmissão”.
Os jovens continuam na rua…
Há poucos dias, foi revelado que a COVID-19 mata cada vez mais jovens no estado de São Paulo. As vítimas entre 20 e 59 anos eram cerca de 20% do total no começo de janeiro. Em março, subiram para 28%.
De forma unanime, os especialistas entendem que apesar da falta de comprovações científicas para determinar o comportamento do vírus no organismo de pessoas mais jovens, “um fator a se considerar é a possibilidade de maior exposição dessas pessoas”, conforme mencionado pelas pesquisadoras.
Leandro Lobo entende que há uma combinação de fatores que justificam as razões pelas quais as pessoas mais jovens estão ficando doentes. Ele entende que além de uma questão sociológica que paira sob pessoas desta faixa etária, “a P1 tem uma capacidade de transmissão muito grande. Se as pessoas estivessem seguindo as medidas de distanciamento, e não frequentando festas e bares, seria mais fácil conter essa P1”, explicou.
A questão do ‘trabalho essencial’
Leandro Lobo citou a “necessidade de trabalhar” como uma das razões para o aumento de casos graves da COVID-19, ressaltando a força da necessidade de algumas pessoas, principalmente os mais pobres. “As pessoas estão desassistidas pelo governo, e acabam se expondo. No Brasil, o fator social é sempre importante”.
“Em São Paulo, a vacinação para idosos está terminando. Essas pessoas vão deixar de aparecer nas UTIs. Talvez isso ajude na questão da crise de leitos na cidade”, explicou.
Para a dupla de especialistas Keity Souza e Verônica Costa, “o maior número de mortes, em geral, está relacionado com maior gravidade da doença”.
Eles entendem que, “mais uma vez, é importante considerar que outros fatores também podem contribuir para a gravidade, e não necessariamente que a variante P1 cause doença mais grave. Por exemplo, a concomitância de comorbidades, o acesso ao uso de oxigênio, para citar alguns. Por isso, é fundamental ter acesso a essas informações para que esses números possam ser calculados, de forma rigorosa”, disseram.
‘Vacina não é motivo para as pessoas se descuidarem’
Apesar do noticiário negativo na cidade de São Paulo, sobretudo diante desta questão pandêmica, há boas novidades que chegam para atuar nesta linha de frente: as vacinas. Questionados sobre as respostas dos imunizantes diante das novas variantes do coronavírus, todos os três especialistas disseram que é preciso mais tempo.
“Ainda temos poucos dados sobre eficácia dessas vacinas contra a variante de Manaus. Alguns dados preliminares, em um estudo da Unicamp, com um pequeno número de indivíduos estudados, mostraram que soros de vacinados com a CoronaVac não têm atividade neutralizante contra a variante P1”, explicaram as pesquisadoras.
Para Leandro Lobo, faltam estudos para fazer qualquer afirmação. Ele entende que a P1 carrega algumas mutações que foram encontradas na variante sul-africana. “É esperado que a P1 consiga escapar da vacina. Isso é uma possibilidade real. Não vai anular a vacina, lógico. Mas a vacina pode perder eficácia”.
Ele ressaltou que apesar da falta de vacinas, o perigo da variante de Manaus é que ela resulte em novas formas de COVID-19, mais perigosas. O biólogo entende que o isolamento social não está sendo feito da forma correta, e isso facilita a mutação do vírus. Para ele, “vacina não é motivo para as pessoas se descuidarem”. O coronavírus pode continuar circulando, se desenvolvendo, apesar da imunização em massa, alertou.
Fonte: Sputnik Brasil