Instalada há pouco mais de um mês no Senado, a CPI tenta apurar as ações e omissões do Poder Executivo durante a pandemia. A Sputnik explica pontos importantes, avanços, falhas e o que o Brasil pode esperar do relatório final.

A instalação foi determinada no início do mês de abril por decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), e confirmada pelo plenário da corte no dia 14 de abril, para que os senadores analisassem o colapso do sistema de saúde durante a pandemia da COVID-19.

Para esclarecer os pontos mais importantes sobre o assunto, a Sputnik Brasil consultou Michelle Fernandez, professora e pesquisadora no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.

CPI é a resposta do governo à pandemia?

O Brasil segue sem rumo, com milhões de casos de COVID-19 e se aproximando das 470 mil mortes, indicando que o país terá que trabalhar muito duro para sair da “sepultura” cavada por seus próprios governantes.

A CPI, então, foi impetrada pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), solicitando a investigação da atuação do governo Bolsonaro durante o colapso do sistema de saúde do Amazonas, onde as pessoas infectadas com o novo coronavírus morreram sufocadas por escassez de oxigênio.

Para a professora e pesquisadora no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília Michelle Fernandez, a CPI está sendo capaz de “organizar a narrativa” sobre a resposta do governo Bolsonaro durante a pandemia.

“A gente vê isso pelos depoimentos que aconteceram ao longo das últimas três semanas, não só de autoridades ou ex-autoridades, bem como de outras pessoas que ocuparam o cargo no governo federal em geral, mas também pelo depoimento de especialistas, como o da médica [Nise Yamaguchi], que não tem nenhum cargo dentro do governo, mas é apontada como um membro importante deste comitê paralelo para tomar decisões”, afirmou Michelle Fernandez.

A professora ainda ressaltou que em todos os depoimentos está sendo construída esta narrativa da negligência do governo federal com relação à pandemia, focando muito na questão da negligência com relação à aquisição de vacinas, por um lado, e na opção por um investimento no tratamento precoce com medicamentos que não possuem evidências de que funcionaria no combate à pandemia, abrindo mão da vacina em detrimento de um tratamento que não funciona, e isso aponta a negligência do governo federal.

Com relação ao “gabinete paralelo”, Michelle Fernandez afirma que apesar de não configurar um crime de responsabilidade, a ação consolida “a questão da negligência”, abrindo mão de escutar especialistas, pessoas que tinham capacidade técnica dentro do Ministério da Saúde, optando “por montar um gabinete paralelo sem especialistas”, formado por pessoas que entendem muito pouco de COVID.

CPI usada como plataforma para difusão de desinformação

Outro foco de investigação da CPI é a propagação de notícias falsas e de campanhas de desinformação relativas à pandemia.

Na visão dos senadores, a difusão de notícias falsas seria um desdobramento da atuação do chamado “assessoramento paralelo”, apontado pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta em depoimento à CPI.

Desta forma, a comissão tenta mapear esta propagação de informações que estimulam os ineficientes tratamentos através da divulgação de remédios comprovadamente sem efeito contra o coronavírus.

Questionada sobre como a CPI poderia evitar esta armadilha envolvendo a desinformação, Michelle Fernandez ressalta o importante papel de alguns senadores contra esta divulgação.

“Alguns senadores têm tido um papel crucial nesta questão, pois são três senadores médicos que conseguem confrontar tecnicamente estas figuras [que defendem os tratamentos ineficientes], destruindo o argumento deste embate”, afirmou.

Na avaliação de membros da CPI, a difusão de conteúdo falso preocupa porque pode causar a falsa percepção na população de que a doença já teria cura ou que existiria algum tipo de tratamento preventivo, contudo, estes tratamentos são ineficientes.

CPI da Covid está comprometida?

A CPI da Covid criou um cenário inusitado no Brasil, que é a “reconvocação” dos depoentes que já compareceram à comissão, o que gerou um debate sobre uma possível falha na comissão.

“Eu não diria que é uma falha dos senadores, mas classificaria como uma situação complicada, à frente ao atual cenário de polarização”, declarou Michelle ao ser questionada sobre uma possível falha dos membros da CPI.

Até o momento, a CPI da Covid serviu para detalhar com mais profundidade as falhas da gestão Bolsonaro que já eram conhecidas, como o atraso para fechar contratos na compra de vacinas e sua passividade em reagir ao colapso do sistema de saúde do Amazonas.

Em meio às supostas falhas cometidas na primeira fase de investigações, muitas perguntas seguem sem respostas na CPI, e os senadores terão de ampliar o alcance das apurações para desvendar se houve o desvio de verbas transferidas pela União a estados e municípios.

Punição zero em um país negligente

Muitos querem a prisão dos supostos culpados, contudo a CPI parece não ter o intuito de punir os membros ou ex-membros do governo Bolsonaro, inclusive com o presidente da comissão, Omar Aziz, afirmando que “não é carcereiro de ninguém”.

No entanto, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello poderá ser punido pelo Exército após sua participação em uma manifestação política, ao lado de Bolsonaro, sem máscara e violando as regras da pandemia.

Falando sobre o assunto, a professora acredita que a questão do Exército é mais complicada que a própria pandemia, pois envolve “uma questão de hierarquia, de manter a ordem de comando”.

CPI da Covid, resposta do governo à pandemia ou novo teatro?

A CPI completa um mês de trabalhos coletando informações e documentos sobre a estratégia adotada pelo governo federal contra a crise sanitária gerada pelo novo coronavírus.

Avaliando os resultados da CPI, Michelle afirma que, por um lado, a comissão conseguiu organizar a questão da narrativa, principalmente com relação à vacina, revelando a real dimensão do problema da vacinação, bem como da imensa negligência em torno da oferta de vacinas feita ao Brasil.

“Com relação a isso, nós tivemos efetivamente uma construção de narrativa importante. Com relação a quem culpar por toda esta negligência, já é um assunto mais complicado, pois há um jogo de ‘empurra-empurra’. Nós sabemos que o presidente da República está por trás de tudo isso, mas ele não é responsabilizado por nenhuma das pessoas que trabalham ou já trabalharam com ele […]”, explicou.

O que esperar do relatório final?

Em pouco mais de 30 dias de CPI, a população brasileira está ansiosa para saber os resultados das investigações.

A CPI da Covid pode ter um desfecho jurídico, no qual os governistas confiam na inexistência de provas que poderiam incriminar Bolsonaro, apostando no aprofundamento das discussões sobre a aplicação dos recursos transferidos aos estados.

Além disso, poderia haver uma análise de como o presidente Bolsonaro influenciou o comportamento da população em relação às medidas de prevenção da COVID-19, bem como a utilização de “tratamentos precoces” para combater a doença.

Contudo, também pode se esperar uma CPI sem conclusão alguma, como já ocorreu em diversas ocasiões no país, como foi o caso da CPI dos Correios.

O futuro da CPI da Covid continua um grande mistério, e o impacto das revelações que estão por vir ainda é incerto, podendo ter uma definição precisa apenas após a conclusão dos trabalhos.

Fonte: Brasil 247