Paulo Guedes (dir.) e Bolsonaro, após a posse do presidente

 

Deutsche Welle*

Mais do que uma dura derrota para o ministro Paulo Guedes, a renúncia de dois de seus principais secretários representa a prova final de que, sob Bolsonaro, não haverá reformas profundas do Estado e da economia.

Desde o início de seu mandato, o ministro da Economia, Paulo Guedes, já perdeu seis funcionários em cargos estratégicos de sua equipe econômica. Todos eram experts de alto gabarito. Para o economista Guedes, que assumiu para renovar fundamentalmente a economia brasileira, foram todos derrotas para sua agenda de reformas.

Com Salim Mattar e Paulo Uebel, contudo, Guedes não perde apenas dois de seus mais importantes especialistas para a planejada reformulação do Estado e da economia. As renúncias o afetam duplamente, pois, ao contrário de seus colegas anteriores, que entregaram o cargo devido a diferenças com o presidente Jair Bolsonaro, os secretários de Estado de Desestatização (Mattar) e Desburocratização (Uebel) se vão por decisão própria. Os dois liberais perderam a esperança de poder mover algo em suas agendas nos dois anos e meio que restam de governo.

O próprio Guedes comentou as demissões, laconicamente, como “debandada”.

É fácil explicar a frustração dos ex-secretários: até o momento, o governo Bolsonaro só conseguiu implementar uma fração das privatizações anunciadas. Como declarou em alto e bom som durante a campanha eleitoral, Guedes pretendia arrecadar 1 trilhão de reais com a venda das empresas estatais: sua intenção era privatizar a Petrobras, a Eletrobras e até mesmo o Banco do Brasil.

Logo após a posse, o governo se apressou em se distanciar dessas pretensões pouco realistas. Guedes não conseguiu vender nem mesmo os Correios, afinal de contas, a empresa obviamente fracassou em mãos estatais e é profundamente envolvida em corrupção e clientelismo, além de irritantemente ineficiente. Em vez das atuais 134 estatais brasileiras, peritos de Guedes alegaram ter identificado quase 700 negócios com participação do Estado. Mas também quase não os reduziram.

O mesmo se aplica à reforma da burocracia. Depois de repetidamente anunciá-la para “semana que vem”, em junho Guedes declarou que seria adiada para 2021, o que, diante do calendário político, significa que o incremento de eficiência e a “desinchação” do setor estatal não ocorrerão mais no atual governo.

Os motivos para a desistência da agenda de reformas se assemelham: no momento, o presidente Bolsonaro se interessa sobretudo por salvar a si e a seu clã da Justiça, evitar um impeachment e preparar a reeleição. Para tal, precisa formar alianças no Congresso com o Centrão, o bloco dos influentes parlamentares de “baixo clero”, do qual ele próprio provém. O que mantém coesas essas alianças de interesse são postos em multinacionais estatais e acesso a seus orçamentos; nesse sentido, reformas do Estado ou até privatizações empresariais só atrapalham.

Além disso, reformas ou privatizações abalariam os privilégios dos que se acomodaram no aparato estatal. Ou seja, quase todos com que os reformadores da economia privada têm a ver em Brasília. A meta de Guedes para sua participação no governo, “mais Brasil, menos Brasília”, acaba de fracassar estrondosamente.

Bolsonaro aposta na velha política do clientelismo, nada diferente dos antecessores de esquerda tão insultados por ele: em vez de favorecer sindicatos, multinacionais estatais, firmas de construção e fundos de aposentadoria estatais, o presidente entrega verbas e cargos estatais aos lobbies políticos dos fazendeiros, evangelistas e milicianos, assim como à mídia pró-governo e aos militares.

E agora qual é a tarefa do ministro da Economia sem agenda liberal? Flávio Bolsonaro, senador e filho do presidente, acaba de formulá-la bem claro: “Guedes terá que arrumar mais um dinheirinho.”

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