Especialistas europeus observam um fluxo constante de desinformação oriundo de veículos russos ou alinhados ao Kremlin

Pandemia se transformou em campo de batalha adicional de uma guerra de informações existente há muito tempo. Tensões entre EUA e China, conflitos entre Ocidente e Rússia e crises no Oriente Médio permanecem.

 A pandemia de coronavírus provocou uma reviravolta nos hábitos de bilhões de pessoas, incluindo restrições sem precedentes à liberdade de movimento e à vida econômica e pública. No entanto, contradições políticas existentes no mundo permanecem. As tensões entre Estados Unidos e China, os conflitos de interesse entre países ocidentais e a Rússia, as crises permanentes no Oriente Médio – em meio à pandemia, tudo isso só encontrou mais um campo de batalha de uma guerra de informações existente há muito tempo.

O fato de que muita gente precisa ficar em casa, dedicando muito tempo às redes sociais, torna tal guerra ainda mais intensa. Já no início de fevereiro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) falou numa “infodemia” em massa. A superabundância de informações – verdadeiras e falsas – torna difícil encontrar fontes confiáveis.

Durante a Conferência de Segurança de Munique, em meados de fevereiro, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, destacou: “As fake news se disseminam mais rapidamente e mais facilmente que o vírus e são igualmente perigosas.”

Desinformação da Rússia 

No dia 22 de janeiro, o portal Sputnik News publicou um texto que dizia que o coronavírus Sars-Cov-2 teria sido criado por seres humanos e que seria uma arma produzida pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Foi a primeira notícia falsa relacionada ao coronavírus oriunda de fontes russas registrada pelo EUvsDisinfo, um projeto do Serviço Europeu de Ação Externa (SEAE), serviço diplomático da União Europeia (UE). Desde 2015, o EUvsDisinfo monitora campanhas de desinformação em 15 línguas.

Os analistas do projeto dizem que a notícia falsa sobre a produção do coronavírus em laboratórios americanos também foi divulgada pelo serviço em árabe da Sputnik News. O público é especialmente vulnerável a esse tipo de teoria da conspiração dada a sua postura crítica em relação aos EUA. Dezenas de sites árabes repassaram a suposta notícia, incluindo uma página falsificada da BBC.

Os especialistas da EUvsDisinfo observam um fluxo constante de desinformação oriundo de veículos russos ou alinhados ao Kremlin. A corrente de fake news acaba sempre seguindo o mesmo modelo: “foi o Pentágono”; “as elites dominantes estão por trás do coronavírus”; “os EUA querem assegurar sua hegemonia”; “o objetivo é uma nova ordem mundial tirânica”.

Em um documento interno da UE ao qual a agência noticiosa Reuters teve acesso, fala-se numa campanha de desinformação abrangente. A Rússia estaria querendo reforçar o efeito do coronavírus, criando pânico e semeando dúvidas – acusações que Moscou desmentiu imediatamente.

Já veículos próximos ao Kremlin disseminam teorias contraditórias. Há vezes em que a pandemia é apontada como uma mentira; em outras ocasiões, desenham-se cenários apocalípticos do desmoronamento do sistema Schengen, da dissolução da Otan, do colapso dos Países Bálticos. Numa crise em que se depende da confiança e da cooperação, o maquinário de desinformação do Kremlin tenta minar a solidariedade, concluem os especialistas do EUvsDisinfo.

Boataria diplomática 

Os EUA também têm sua versão do EUvsDisinfo. Alocado no Departamento de Estado, que conduz a política externa do país, o Global Engagement Center (GEC) investiga tanto campanhas de desinformação russas quanto notícias falsas e propaganda de fontes chinesas, iranianas e islamistas.

A propaganda chinesa parece ter mudado seu alvo de impacto, segundo o GEC: não são mais os EUA que são acusados de serem os criadores do vírus, tese disseminada por embaixadas chinesas em todo o mundo após um tuíte do diplomata chinês Zhao Lijan em meados de março. Em vez disso, o debate foi centralizado em torno do sucesso das autoridades chinesas no combate à disseminação do Sars-Cov-2 – e das críticas aos EUA, por estigmatizarem a China como local de origem do vírus.

Vírus da China? 

Em Washington, o presidente americano, Donald Trump, gosta de chamar o coronavírus de “vírus da China”. Seu secretário de Estado, Mike Pompeo, é mais preciso geograficamente e diz “vírus de Wuhan”.

Certamente, as queixas americanas sobre tentativas chinesas de ocultar informações seriam mais convincentes se o próprio governo Trump não tivesse minimizado os riscos do vírus durante várias semanas.

Acaba sendo especialmente trágico quando teorias da conspiração têm consequências reais. Um exemplo é a adoção da tese de que o Sars-Cov-2 é uma arma biológica dos americanos pelo líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, que falou disso em seu discurso à nação, no qual também recusou veementemente uma oferta de ajuda dos EUA. “Ninguém confia em vocês”, disse o aiatolá.

Até a organização não governamental Médicos Sem Fronteiras (MSF) teve de deixar a cidade iraniana de Isfahan às pressas, levando seu hospital construído para 50 pacientes. Críticos linha-dura teriam se pronunciado contra os MSF, dizendo que alguns dos especialistas poderiam ser espiões ocidentais. A avaliação poderá custar a vida de muitos cidadãos do país.

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