Dias após reiniciar o processo de licenciamento para explorar petróleo na região da foz do rio Amazonas, que tem uma das correntes marítimas mais fortes do mundo, a Total desistiu de seguir adiante como operadora do empreendimento. O anúncio foi feito pela empresa francesa nesta segunda-feira (07/09).

A renúncia, no entanto, não significa o fim do projeto. A Total, sócia majoritária, detém com as parceiras BP e Petrobras cinco blocos de exploração na região, a 120 quilômetros da costa brasileira, na altura do estado de Amapá. Cabe agora à Agência Nacional de Petróleo (ANP), abrir um novo processo para encontrar um operador substituto.

Em dezembro de 2018, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), havia negado a licença ambiental para a Total iniciar atividades na região. O processo, iniciado em 2014, continha vários problemas técnicos que a empresa não conseguiu resolver nas três ocasiões em que foi questionada pelo órgão, até a negativa final.

“No processo ficava claro que a empresa não tinha a mínima condição de executar um plano de emergência em caso de vazamento, e essa foi a causa da negativa da licença”, explica à DW Brasil Suely Araújo, especialista em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, que analisou pessoalmente o pedido de licenciamento à época.

Num processo como esse, a empresa precisa apresentar uma modelagem, uma espécie de simulação, dos efeitos no ambiente em caso de um eventual acidente. Segundo o estudo, o socorro só conseguiria chegar à região depois de seis horas, tempo suficiente para que o petróleo vazado atingisse águas internacionais devido às fortes correntes.

“Atingiria principalmente as costas da Guiana e da Guiana Francesa (que é território francês)”, detalha Araújo, que considera a região bastante complicada para a exploração de petróleo.

Com uma área de 282.909 km², a foz do rio Amazonas é cobiçada pela indústria do petróleo com uma reserva estimada em até 14 bilhões de barris e 40 trilhões de pés cúbicos de gás, segundo dados da ANP.

Petróleo e ameaça à nova descoberta

Além da poluição no mar e seus efeitos, alguns irreversíveis, um acidente que provocasse derramamento do combustível fóssil destruiria um ecossistemas recém-descoberto: o grande complexo de recifes na região da foz do Amazonas.

Durante uma expedição científica em 2018, pesquisadores confirmaram a existência dos recifes sobre a faixa onde as petroleiras instalariam as plataformas. No ano seguinte, um estudo publicado por cientistas brasileiros na revista Nature Scientific Reports mostrou que os recifes estão vivos e em expansão.

“As pesquisas continuam, mas estamos lidando com o desmantelamento das estruturas que financiam as pesquisas no Brasil”, disse à DW Brasil Nils Edvin Asp, oceanógrafo e pesquisador na Universidade Federal do Pará (UFPA), e um dos autores do estudo.

Uma das questões básicas que ainda precisam ser respondidas diz respeito à biodiversidade dos recifes. “É pouco conhecida. Pelas características especiais desse ambiente, acredita-se que existam muitas espécies exclusivas dessa área”, explica Asp.

Até há pouco tempo, acreditava-se que a pluma do rio Amazonas, que carrega um volume enorme de sedimentos da floresta para o Atlântico, fosse um local improvável para recifes e que funcionasse como uma espécie de barreira geográfica.

“O complexo de recifes, na verdade, pode ter um papel de corredor de biodiversidade que se estende por debaixo da pluma, comunicando as populações da região com as do Caribe”, pontua o pesquisador da UFPA.

A vida ainda desconhecida no local poderia ser a base para novas biomoléculas na produção de remédios. “Tem muito ainda para ser descoberto”, ressalta o oceanógrafo, que, nesse momento, escreve um projeto com outros cientistas em busca de financiamento para seguir com os estudos.

Desconfiança e afrouxamento das leis

O Greenpeace, que forneceu o navio Esperanza para expedições científicas à região e coordenou uma campanha internacional para barrar a exploração de petróleo, vê a desistência da Total com desconfiança.

“A renúncia na verdade é só na questão da operação. A Total não sai do empreendimento e o empreendimento não para”, afirma Marcelo Laterman, porta-voz da campanha de Clima e Energia do Greenpeace. “BP ou Petrobras devem assumir a operação”, acrescenta.

Há outros pedidos de licenciamento para instalação das plataformas em andamento no Ibama. O órgão, porém, não detalhou à DW Brasil em quais etapas eles estariam.

“Parece mais uma estratégia de comunicação da empresa para tentar limpar a imagem de uma operação que é mal vista até na França por significar ameaças graves ao meio ambiente”, opina Laterman.

Apesar do afrouxamento das leis ambientais e enfraquecimento dos órgãos de fiscalização ocorridos durante o governo Bolsonaro, Suely Araújo, ex-presidente do Ibama, acredita que a decisão técnica especificamente em torno do licenciamento para projetos ligados ao petróleo ainda é respeitada.

“O ministro não consegue aprovar ou rejeitar uma licença. É complicado ir contra os técnicos no processo de licenciamento”, diz Araújo quando questionada sobre a atuação do ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Por outro lado, discussões no Congresso sobre mudanças nas regras de licenciamento ambiental seguem a todo vapor. “Esse processo da Total mostra a importância da análise de risco integrada à análise de impacto. Se não houver acidente, há impacto, mas é quase insignificante. Mas, em caso de acidente, de vazamento, o dano efetivo é enorme. Por isso esse aspecto jamais pode deixar de ser considerado na lei”, ressalta Araújo.

Fonte: Deutsche Welle (DW)