por Rui Daher/Jornal GGN

Em 1969, a Chrysler lançou o Dodge Dart. Logo que saí da GV, emprego mais remunerador, gostinho de dinheiro próprio, comprei um modelo compacto usado. Me dei mal, claro. Logo caí fora para um fusca branco. Mas a marca Dodge nunca saiu de meus pensamentos.

Como faz o cinema norte-americano, 40 years later, domingo, dia 2 de setembro, seis horas da tarde, Aeroporto Santos Dumont, Rio de Janeiro.

Apenas montado na mochila ou ela em mim, tomava um chope aguado, esperando o voo para Congonhas. Pensava nada, embora algumas passagens de Suassuna me trouxessem um leve sorriso. Missão cumprida junto a um amigo, fiz o celular me lembrar a voz de Melodia, cantando “Estácio Holly Estácio”. Cantarolei junto e pedi algo menos aguado.

São nessas horas que me vêm a memória situações das idades pregressas que creio ter tido. Uma, recorrente, eu fantasiado de pierrô, disputando um concurso no Teatro Municipal de São Paulo. Perdi quando mandei um Arlequim tomar naquele lugar.

“De repente, não mais do que de repente”, uma senhora em tailleur digno e sapatos de saltos discretos, me faz voltar aos anos de 1970, eu com pouco mais de 25 anos de idade, agressivo militante de esquerda, “Corisco” contra “Antônio das Mortes”, remetem-me à Chrysler.

Como, sussurra-me ao ouvido, Melodia. Por que suspendeu seu cantarolar do Estácio?

Era a ministra Raquel Dodge cercada de oito seguranças. Daqueles armários enormes, ternos e gravatas pretas (faltou a camisa preta de Sérgio Moro), óculos escuros, embora escuro já estivesse o céu, e preto logo mais estaria a desgraça do Museu Nacional.

Olhei-a discretamente. Vai que me julgasse conforme suas convicções antinacionais. Pensei: por que tantos seguranças? Quem, brasileiro, ousaria agredir senhora tão inofensiva, inerme às mazelas brasileiras e totalmente a favor daqueles que mandam no país?

Pensei mesmo convidá-la a um chope aguado. Naquela hora, Melodia começou a cantar baixinho “Fadas” e me fez desistir. Rachel poderia ver aquilo como assédio em rapel ou papel.

Fácil. Voltei ao Dodge Dart da década de 1970 e esqueci a mocreia dos dias de hoje.