Crianças vão para orfanatos, enquanto os pais imigrantes aguardam julgamento na penitenciária

do OPEU – Observatório Político dos Estados Unidos

por Solange Reis

Milhares de crianças estrangeiras foram separadas dos pais por autoridades de imigração dos Estados Unidos na fronteira com o México durante o governo Trump.

Segundo fontes oficiais, o número chegou a 1.995 crianças separadas de 1.940 adultos entre meados de abril e fins de maio. Uma quantidade impressionante quando comparada aos 1.800 casos entre outubro de 2016 e fevereiro deste ano. Estima-se que 7 mil crianças tenham sofrido essa ação desde a posse do republicano.

A separação acontece, principalmente, quando as famílias são detidas ao tentar entrar no país sem documentação. Pela proximidade geográfica, a maior parte desses imigrantes é latino-americana, mas há pessoas da África e de outros continentes. Há também os casos de imigrantes sem documentação que já viviam nos Estados Unidos.

Criminalização do imigrante

O número de deportações no governo Trump é inferior ao recorde histórico de Barack Obama, segundo o Migration Policy Institute. Em 2017, menos de 150 mil pessoas foram expulsas, contra mais de 300 mil em 2010 e 2018 (cada ano).

Mas nem tudo que reluz é ouro, diz o ditado. Trump tem deportado menos porque os imigrantes irregulares detidos acabam encarcerados com uma frequência muito maior do que em governos anteriores, mesmo republicanos. A criminalização dos imigrantes irregulares leva à separação de famílias, incluindo o afastamento de crianças de seus pais, numa ação de choque que tornou-se “business as usual” , como explicitada na abordagem “tolerância zero” sobre imigração.

Não apenas para os que tentam cruzar a fronteira de forma irregular, mas também para os refugiados que pedem asilo, ou seja, os que cumprem os procedimentos prévios exigidos para solicitação de visto.

Famílias paradas na fronteira são levadas aos centros de triagem para imigrantes. Em seguida, os adultos são encaminhados para prisões federais, onde aguardam o julgamento criminal pela tentativa de entrar ou reentrar ilegalmente no país. Como a legislação americana não permite o mesmo tratamento penal para as crianças, elas são enviadas a orfanatos. O que acontece a partir dali escapa, muitas vezes, ao controle das autoridades.

O Departamento diz que tenta encontrar algum parente próximo nos Estados Unidos, mas a maioria das crianças acaba mesmo em instituições ou em residências temporárias. Em cerca de 1.475 casos, as autoridades perderam os menores de vista, deixando crianças e adolescentes à mercê de redes de tráfico e outros riscos.

Segundo a American Civil Liberties Union (ACLU), associação de direitos civis, algumas vezes a violência começa quando as crianças ainda estão sob a guarda da imigração. Há centenas de casos de abusos verbais, físicos e sexuais contra crianças e adolescentes por agentes de imigração e guardas de fronteira.

Do ponto de vista médico e psicológico, o trauma é enorme. Muitas crianças são bebês em fase de aleitamento materno ou têm menos de 4 anos de idade, quando sequer possuem capacidade avançada de expressão oral.

Missão divina

Embora informalmente em prática desde o início do governo Trump – quando foi sugerida por John Kelly, então secretário de Segurança Doméstica e atual chefe de gabinete da Casa Branca -, a política de tolerância zero foi formalizada, em abril, com o anúncio do procurador-geral Jeff Sessions. “Aplicar a lei é muito bíblico”, afirmou. Sessions citou uma passagem da Bíblia que considera a obediência às leis do governo uma obrigação determinada por Deus.

O procurador-geral recebeu uma saraivada de críticas, inclusive por parte de cristãos. Para o cardeal Daniel Nicholas DiNardo, presidente da Conferência Católica de Bispos dos Estados Unidos, além de ser imoral, “separar bebês de suas mães não é a resposta”. Vale lembrar que a maioria dos casos de separação envolve mulheres e crianças.

Sarah Sanders, porta-voz da Casa Branca, veio em socorro a Sessions. “Na verdade, isso (aplicar a lei) é repetido várias vezes ao longo da Bíblia”, disse. “É política moral seguir e aplicar a lei”, acrescentou.

Tuítes do presidente Trump e declarações de seus funcionários trazem a questão do nível divino para o político. A culpa seria dos democratas, que deixaram muitas brechas na política imigratória na gestão Obama.

Políticas imigratórias hoje e ontem

Eles se referem às legislações domésticas, inclusive aprovadas em governos republicanos, como o de George W. Bush, que tratam com mais prudência a questão dos imigrantes irregulares com crianças justamente pelo impacto social.

No que tange à separação das crianças de mães e pais, a diferença é que, em grande parte das vezes, o governo Obama deportou imigrantes sem documentação cujos filhos tinham nascido nos Estados Unidos. Na teoria, havia a justificativa jurídica da separação pelo fato de as crianças serem cidadãs americanas e, nessa condição, não poderem ser deportadas. Naturalmente, isso não diminui a crueldade da ação – do ponto de vista dos direitos humanos, o correto seria dar aos pais a mesma condição legal.

Além disso, o democrata estabeleceu a DACA, política de imigração que garante alguns direitos para determinadas pessoas que entraram ilegalmente nos Estados Unidos quando crianças.

Quanto aos imigrantes sem documentos que tentavam entrar, Obama e presidentes anteriores os colocavam, geralmente, em centros para imigrantes. Lá, ou eventualmente nas cidades, as famílias aguardavam a análise do processo. Via de regra, e a menos que houvesse impedimentos criminais individuais, todos os integrantes da família obtinham o visto de entrada ou eram deportados. Havia, portanto, mais preocupação em não desmembrar as famílias.

Nos governos anteriores, houve situações em que os adultos foram julgados criminalmente e, consequentemente, separados dos menores de idade. Mas a criminalização era normalmente aplicada a reincidências.

Violação de direitos humanos

Defensores de direitos humanos alegam que as políticas de Trump violam o direito internacional, pois os Estados Unidos são signatários da Convenção de Haia sobre Proteção à  Criança e Responsabilidade Parental, que determina que os interesses dos menores fiquem acima de qualquer lei ou política. Segundo as ONGs, há violação também quanto ao tratamento dado aos refugiados.

A ideia central por trás da política de tolerância zero é desestimular a imigração irregular para o país, admitiu Sessions. “Nossa política está desencorajando as pessoas a levar crianças a fazer essas jornadas traiçoeiras”, disse.

De acordo com a Lei de Imigração e Naturalização, criminalizar imigrantes irregulares na maior “democracia” do mundo não é ilegal, ainda que seja controversa. A questão é bem mais forte do ponto de vista humanitário do que legal e, por isso mesmo, mais sujeita às ambiguidades da justiça.

Quanto à separação de crianças dos pais ou à criminalização de refugiados, há mais fundamento para que sejam questionadas legalmente.

Os grupos de defesa humanitária prometem continuar na briga contra a política imigratória do atual governo. Uma ação movida pela ACLU foi aceita por um juiz de primeira instância, que entendeu ser inconstitucional separar pais e filhos por violar a integridade familiar que algumas cortes consideram diretamente ligada à 5a. Emenda. De acordo com esse artigo da Constituição, ninguém pode ser privado da liberdade sem julgamento. Na prática, essa leitura não se faz sempre presente. O caso, portanto, promete se arrastar até a Suprema Corte.

Nas vias políticas, há tentativas de reverter a separação dos menores de idade. No início de junho, democratas assinaram uma carta para a secretária do Departamento de Segurança Doméstica, Kirstjen Nielsen, e para Sessions pedindo a interrupção da prática, principalmente em casos de pedidos de asilo.

No mesmo mês, 108 representantes democratas mandaram uma carta ao republicano John Carter, presidente do subcomitê de Segurança Doméstica da Câmara, propondo a suspensão de verbas para os fundos de separação de famílias.

Há iniciativas republicanas questionando os órgãos públicos responsáveis pela política segregacionista. É o caso do senador James Lankford, que pediu explicações ao Departamento de Segurança Doméstica, ainda que o republicano coloque sob judice a real relação entre os imigrantes adultos e as crianças que os acompanham.