Reforma gerou enormes protestos nas ruas e a maior greve de transportes da França em décadas

Governo anuncia manobra para aprovar proposta sem votação no Parlamento, após deputados apresentarem 40 mil emendas que vinham retardando tramitação. Oposição tacha ação de antidemocrática e prepara contramedidas.

O governo da França anunciou uma manobra para fazer avançar sua controversa reforma da Previdência – considerada a mais importante proposta de governo do presidente Emmanuel Macron – sem necessidade de aval do Parlamento, gerando revolta entre alguns legisladores.

O primeiro-ministro francês, Édouard Philippe, afirmou neste sábado (29/02) que o governo vai avançar com a reforma por meio de um decreto, evitando uma votação parlamentar.

Segundo o premiê, a medida será tomada para contornar o Legislativo depois de a oposição ter apresentado mais de 40 mil emendas à proposta na tentativa de impedir sua aprovação. A decisão não “visa pôr fim ao debate, mas encerrar esse período de não debate”, declarou.

Desde que foi anunciado pelo governo Macron em dezembro passado, o projeto da reforma da Previdência provocou protestos intensos e greves generalizadas no país.

O governo recorrerá ao artigo 43, parágrafo terceiro da Constituição, que permite que um texto legislativo seja aprovado na Assembleia Nacional (Parlamento francês) sem votação, a menos que os deputados apresentem uma moção de censura dentro de 24 horas – o que uma série de partidos já se movimentou para fazer.

Até hoje, a cláusula constitucional invocada pelo governo foi muito pouco adotada: desde a criação da Quinta República francesa, em 1958, a medida foi usada menos de 100 vezes.

A última vez foi em 2016. Na ocasião, o então primeiro-ministro, Manuel Valls, recorreu à medida para aprovar a polêmica reforma trabalhista, que também provocou protestos nas ruas.

O lento progresso da reforma previdenciária no Parlamento vinha frustrando o governo francês. “Após mais de 115 horas de debates em público, durante dias e noites, inclusive nos finais de semana, a Assembleia Nacional chegou ao artigo oito de um projeto de lei comum que tem 65 artigos”, afirmou Philippe, diante de deputados no Parlamento no sábado à noite.

O premiê disse que o comitê especial interpartidário criado para examinar as mais de 40 mil emendas mostrou “perseverança”, mas que estava na hora de interromper a “estratégia deliberada de obstrução realizada por uma minoria”. “Não creio que a nossa democracia possa permitir tal espectáculo.”

A decisão provocou uma onda de desaprovação por parte dos legisladores da oposição. Alguns acusaram Philippe de tentar fazer avançar a contestada reforma da Previdência de Macron enquanto a atenção do público se concentra na crise do coronavírus.

Neste sábado, o governo proibiu eventos com mais de 5 mil pessoas em lugares fechados e grandes aglomerações ao ar livre, como medida de precaução devido à expansão do surto de Sars-CoV-2 – o que dificulta planos de grandes protestos contra a reforma da Previdência.

Legisladores da oposição lutam para tentar impedir a invocação da cláusula, que consideram antidemocrática. Mas seus esforços para organizar um voto de censura parecem fadados ao fracasso, já que o governo de Philippe possui uma maioria parlamentar confortável para derrubar a moção.

Três partidos de esquerda da Assembleia Nacional apresentaram no sábado uma moção de censura, pouco depois de os conservadores da oposição fazerem um anúncio semelhante.

O Partido Socialista, a França Insubmissa e o Partido Comunista, junto com a deputada Jennifer de Temmerman, ex-integrante da República em Marcha, apresentaram a moção contra “um governo que pisa no processo parlamentar”.

Para que seja tramitada, uma moção de censura requer o apoio de 58 deputados, e essa foi apoiada por 63, logo após o anúncio da moção independente dos conservadores Os Republicanos.

A oposição contava com 24 horas desde o anúncio feito pelo primeiro-ministro. Uma vez apresentada, haverá um prazo de 48 horas para que a moção seja votada. Caso não seja, o projeto de lei da reforma da Previdência será aprovado de forma automática na Assembleia Nacional.

Reformar o sistema de aposentadorias francês é uma das prioridades do presidente Macron. Mas os planos do governo desencadearam enormes protestos nas ruas e a maior greve de transportes da França em décadas.

As mudanças acabariam com regimes específicos de aposentadoria, nos quais certos trabalhadores, como ferroviários, podem se aposentar mais cedo, e estabeleceriam um sistema universal de pensões. Macron queria elevar a idade da aposentadoria completa em dois anos para 64, mas suavizou a medida após as greves, que começaram no início de dezembro e duraram seis semanas.

EK/ap/dpa/efe/rtr

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