Em 2019, a violência contra povos indígenas se amplificou em âmbito nacional. Relatório Anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), divulgado nesta quarta-feira (30), identificou um crescimento de mais de 130% nas invasões possessórias às Terras Indígenas. O que aponta para danos ao meio ambiente, ao patrimônio da União e ao modo de vida dos povos originários.

O estudo mostra que no ano passado ocorreram 256 invasões de territórios indígenas, bem mais que as 109 invasões de 2018, o que resulta no porcentual elevado anunciado hoje. Já no ano passado, o Cimi mostrava que as invasões vinham em crescimento, com uma alta de 13%, considerando as 109 ocorrências em relação ao total de 96 invasões de 2017.

E a tendência para este ano é de um aumento ainda maior, embora a organização ainda não tenha a dimensão exata dos casos. “Essa tendência (de invasão) tem se avolumado de uma forma muito significativa de setembro do ano passado para setembro deste ano”, afirma o coordenador do Cimi Sul e um dos organizadores do relatório, Roberto Antonio Liebgott, em entrevista a Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual.

Política genocida

De acordo com Liebgott, o avanço da ilegalidade está diretamente associado ao governo de Jair Bolsonaro, que tem como proposta para a questão indígena no Brasil um verdadeiro “tripé”. “Retirar dos indígenas seus direitos e suas terras, integrá-los à sociedade, abrindo caminho efetivo para que esses territórios, que são bens públicos da União, sejam disponibilizados para exploração econômica de forma intensiva”.

“Todo o discurso do governo Bolsonaro vai nessa linha. Primeiro ele afirma que não demarcará nenhum centímetro de terra. Essa é a chave do discurso. Em segundo, ele transformou a Fundação Nacional do Índio, a Funai, numa espécie de agência que vai estabelecer a relação política e econômica com os setores que querem explorar as terras indígenas, os madeireiros, as mineradoras, os latifundiários e os fazendeiros. Aqueles que efetivamente têm interesse na exploração predatória das terras indígenas”, diz o coordenador do Cimi Sul.

Por fim, segundo ele, há ainda o incentivo do governo às invasões. “Nós vimos no ano passado os dados de que foi acionado na Amazônia o dia do fogo. Ou seja, houve uma combinação de vários interessados na exploração econômica das terras indígenas de atearem fogo na mata. O que causou uma devastação sem precedentes na história do Brasil”, afirma Liebgott.

Consequências e impactos

Diante do aumento das invasões criminosas, as consequências para os povos indígenas são inúmeras. O relatório aponta desde a presença constante de garimpeiros, como na TI Yanomami e no território do povo Munduruku, ao loteamento de terras indígenas em Rondônia, por exemplo. No estado, lotes são vendidos, de forma ilegal, mas a partir desse “aval do governo”.

O Cimi adverte que, dentro dos territórios, os grupos de invasores além de causarem todo o tipo de devastação ambiental, também rompem com o modo de ser, os costumes e a cultura dos povos indígenas. Além de causarem a migração forçada de algumas etnias. Principalmente entre os cerca de 116 povos indígenas que estão em situação de isolamento e não têm contato com a sociedade. “Eles são obrigados a migrar de uma região para outra sem orientação, sem destino. A vida desses povos está sendo duramente impactada e com risco de extinção de vários desses grupos em função disso (invasões)”, explica o coordenador.

“E tem comunidade em que, pela insegurança de viver numa terra sem condições de vida digna, eles migram para as periferias das cidades. Temos cidades no Acre e no Amazonas em que há uma densa população que está se estabelecendo nas margens dos rios, próximas à cidade, em função desse impacto violento. E você ainda tem desnutrição, mortalidade infantil, porque essas pessoas acabam não recebendo nenhum tipo de assistência, nem médica, nem nutricional”, acrescenta.

Violência

Uma outra consequência das invasões em terras indígenas é o aumento da violência física contra os povos originários. A partir de dados oficiais, o relatório do Cimi também registrou 113 indígenas assassinados. Só no Mato Grosso Sul, onde a pressão de fazendeiros é pública e intensa, ao menos 40 pessoas foram mortas. “Esse avanço descomunal, esse aval dado pelo Estado por meio de seus governantes, é o que propicia que esses segmentos se sintam autorizados a desmatar e devastar os territórios indígenas”, reforça Liebgott.

Mais mortes e pandemia

A perspectiva sobre o aumento de mortes dos organizadores para o próximo ano é ainda pior, até por conta da pandemia do novo coronavírus, que vem atingindo duramente os povos indígenas. O informativo da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasil (Coiab), desta segunda-feira (28), contabilizava 24.866 casos confirmados da covid-19. Ao menos 667 pessoas morreram em decorrência da doença. Para todas as regiões do país, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) soma 33.412 casos confirmados, 830 vidas perdidas e 158 povos atingidos.

A pandemia, por sua vez, também está inserida em outro contexto de violência contra os povos indígenas: o de desmonte da política de atenção à saúde indígena. Desde o encerramento do programa Mais Médicos com profissionais cubanos, até a suspensão de convênios com organizações que atuam no âmbito da saúde em TIs, e o fim do diálogo com as lideranças, o governo vem comprometendo a prestação de serviços de saúde aos povos indígenas.

De acordo com Liegbott, o que há em curso é uma “política de desconstitucionalização, de retirar dos povos indígenas os seus direitos. E de desterritorialização e uma política genocida de integração”, sintetiza. Sem governo, só resta aos povos tradicionais uma rede de solidariedade para frear a sanha criminosa das invasões em terras indígenas. “Você tem uma resistência do movimento indígena e das entidades indigenistas que se articulam. E tem uma contribuição muito importante de organismos e segmentos internacionais que prestam apoio e solidariedade aos povos neste contexto”, descreve o coordenador do Cimi. São eles que resistem.

 

Fonte: Brasil 247