Ingressar no mestrado de Direito na Universidade de Coimbra pode ser mais difícil para brasileiros. A Faculdade de Direito estipulou em seu edital que estudantes que tenham feito graduação no Brasil precisam apresentar uma nota de corte maior do que as dos demais estudantes internacionais.

A polêmica está numa alínea do edital que estabelece que “os titulares de um grau acadêmico superior em Direito obtido no Brasil deverão possuir nota mínima final de licenciatura (bacharelado) igual ou superior a 8 valores (sem arredondamentos), na escala brasileira de 0 a 10 valores”, o que seria equivalente a 16 valores na escala portuguesa. Para os demais titulares de um grau acadêmico superior estrangeiro, o edital exige a nota mínima final de licenciatura igual a 13 valores na escala de 0-20, que é escala padrão em Portugal.

A advogada maranhense Danielle Menezes chegou a concluir uma pós-graduação em Direito na Universidade de Coimbra (UC), mas não gostou do curso nem da faculdade e preferiu cursar o mestrado em Direito e Relações Internacionais na Universidade de Lisboa. Segundo ela, cobrar uma nota superior a estudantes formados no Brasil é uma forma de discriminação sem motivo.

“É uma vergonha, completamente sem sentido e que demonstra mais a inferioridade do ensino português do que a do Brasil. É muito difícil ser reconhecido como bom aluno por professores portugueses. Por outro lado, já ouvi de colegas portugueses que os brasileiros demonstram ter formação muito mais sólida do que eles, principalmente no poder de argumentação. Por aqui, nós estamos sendo colocados à prova constantemente: notas de corte mais altas, mensalidades mais altas, etc. Foi a pior experiência acadêmica que eu tive na vida, em termos de qualidade. Muito decepcionante”, diz Danielle à Sputnik Brasil.

Danielle Menezes em frente à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
© FOTO / DIVULGAÇÃO Danielle Menezes em frente à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Diretor da Faculdade de Direito diz que não há discriminação contra brasileiros

Questionado por que o mestrado de Direito cria uma condição excepcional para o ingresso de estudantes brasileiros, Rui de Figueiredo Marcos, diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, explica, em e-mail à Sputnik Brasil, que a definição dos critérios de seriação dos mestrados é efetuada pelos órgãos competentes das instituições de ensino superior e das respectivas unidades orgânicas. Segundo ele, no caso da Faculdade de Direito, os critérios foram fixados pelo Conselho Científico e tornados públicos em edital antes do início das candidaturas.

“A referência específica ao Brasil justifica-se pela circunstância de, no plano internacional e atentando em instituições que utilizam uma escala de classificação diferente da nacional, serem em número muito mais significativo (em termos comparativos) os diplomados deste país que procuram a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra para aí realizarem os seus estudos de mestrado. Não se estão, todavia, a discriminar candidatos em razão da sua nacionalidade, mas a efetuar uma avaliação dos diplomas para efeitos de ingresso num Ciclo de Estudos, diplomas esses que, na sua origem, têm uma escala diferenciada, cuja conversão aritmética não permitiria uma adequada comparação com os demais candidatos”, argumenta Rui de Figueiredo Marcos, que é coautor do livro “História do Direito Brasileiro”.

Contudo, uma tabela de conversão de notas retirada do próprio site da Universidade de Coimbra, mas da Faculdade de Letras, utiliza a média aritmética simples para converter valores da escala portuguesa para a brasileira. Na tabela, é possível ver que uma nota 13 em Coimbra é considerada satisfatória (“satisfactory”), assim como a sua nota correspondente no Brasil (6,5). Da mesma forma, uma nota 16 é avaliada como sendo boa (“good”), bem como a equivalente brasileira a 8. A tabela mostra ainda que outras nacionalidades, mesmo dentro da União Europeia, adotam escalas diferentes da portuguesa.

A Sputnik Brasil encaminhou a tabela de conversão de notas à Direção de Relações Internacionais e às vice-reitorias de Assuntos Acadêmicos e de Relações Externas, questionando se há algum outro curso que preveja condições diferentes para o ingresso de estudantes brasileiros em comparação com os demais candidatos internacionais. Em nota encaminhada pela assessoria de imprensa, a Universidade de Coimbra negou que haja discriminação de brasileiros.

“Todos os processos de candidatura de estudantes internacionais a cursos de segundo ciclo pressupõem a conversão de classificações para a escala portuguesa de acordo com critérios definidos pelos órgãos científicos de cada unidade orgânica que têm a legitimidade para o fazer. Assim, não se trata de criar condições diferentes para estudantes brasileiros mas da aplicação de um pressuposto válido para qualquer estudante internacional que tenha realizado os seus estudos fora de Portugal. No caso em apreço, trata-se da conversão de uma escala de classificações com uma amplitude muito diferente daquela que é utilizada em Portugal e em outros países de onde são provenientes outros estudantes internacionais”, lê-se na nota.

Rafael Firpo, presidente da Abep, que propõe redução de mensalidades.
© FOTO / DIVULGAÇÃO Rafael Firpo, presidente da Abep, que propõe redução de mensalidades.

Apesar de relativizar a cobrança de notas de corte mais altas para estudantes formados em cursos de Direito no Brasil, Rafael Firpo, presidente da Associação de Pesquisadores e Estudantes Brasileiros em Coimbra (Abep), chama a atenção para outro ponto delicado, já debatido dentro da universidade: a cobrança de mensalidades muito mais caras para estudantes internacionais em comparação às cobradas aos portugueses. No mestrado em Direito, por exemplo, os portugueses pagam 2.400 euros anuais, enquanto os estrangeiros, incluindo os brasileiros, têm que desembolsar 7 mil euros por ano, quase três vezes mais.

“Sobre as notas de corte, uma coisa é o que está no edital, e outra, a visão de justiça. Mas a universidade tem autonomia para decidir a forma de ingresso. Em relação às mensalidades, minha opinião, não como presidente da Abep, mas como alguém que estuda na área, é que aquilo que é vendido para nós não corresponde à realidade, fica aquém da expectativa. O sonho Coimbra é tão bem vendido, que, no Brasil, a universidade tem muito peso e tradição. Se correspondesse àquilo que se paga, tudo bem. Seria como pagar caro para estudar em Harvard ou no MIT. Mas é um investimento que, se colocar na ponta do lápis, não vale a pena pelo que vivemos aqui. Essas fama e tradição de Coimbra ficaram paradas no tempo e já não correspondem aos custos”, avalia Firpo, que é mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e agora faz doutorado lá.

Associação elabora estudo para tentar reduzir mensalidades para estrangeiros

Com o objetivo de fundamentar as reivindicações de redução das mensalidades para estudantes estrangeiros em Coimbra, a Abep fez um estudo comparativo com outras universidades portuguesas e o entregou à reitoria em junho. Na Universidade do Porto, por exemplo, o mestrado de Direito custa 3.500 euros por ano para estudantes internacionais, metade do que é cobrado em Coimbra. Segundo o estudo, nas demais áreas de mestrado, as mensalidades são, em média, 37,5% menores na Universidade do Porto; 33% na Universidade de Aveiro; e 8% na Universidade do Minho.

“Os dados mostram os valores da Universidade de Coimbra (UC) consideravelmente maiores para os dois ciclos de estudos. Na teoria, esses valores seriam justificados devido ao custo real do estudante internacional visto que o Estado Português não coparticipa nesses valores. Entretanto, a prática mostra os valores da propina (mensalidade) do estudante internacional na UC consideravelmente superiores aos gastos de estudantes internacionais em outras universidades”, lê-se no estudo.

A Universidade de Coimbra, que comemora 730 anos em 2020, tem mais de 3 mil estudantes brasileiros, somando os de licenciatura e pós-graduação. É a nacionalidade estrangeira que tem o maior número de alunos dentre os mais de 25 mil matriculados. A instituição foi a primeira em Portugal a aceitar o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) como forma de ingresso no ensino superior, ainda em 2014. Em nota encaminhada pela assessoria de imprensa à Sputnik Brasil, a universidade informa que está analisando as propostas feitas pela Abep:

“A UC tomou em devida nota e agradece o estudo referenciado e o contributo dos estudantes e da Apeb para o mesmo. A reflexão sobre as propinas dos estudantes internacionais está em curso. Porém, sendo um assunto particularmente importante e complexo, a decisão a tomar preconiza uma ponderação maturada com a participação de diversos intervenientes no tempo necessário para esse efeito”.

 

Fonte: Sputnik Brasil