Ministro não aceitou troca de comando da PF

Ao confirmar demissão, ministro da Justiça acusa presidente de interferir na PF para ter acesso a informações. Ele diz que promessa de “carta branca”, dada a ele por Bolsonaro, não foi cumprida.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, renunciou ao cargo nesta sexta-feira (24/04) depois de um embate com o presidente Jair Bolsonaro sobre o comando da Polícia Federal (PF). O diretor-geral da PF, Maurício Leite Valeixo, indicado para o comando do órgão pelo próprio Moro, foi exonerado horas antes por Bolsonaro.

Moro havia dito nesta quinta-feira a Bolsonaro que não ficaria no cargo se Valeixo fosse afastado e confirmou seu pedido de demissão nesta sexta. Ele afirmou que não assinou a exoneração e ficou sabendo dela pelo Diário Oficial, na manhã desta sexta-feira. Ele também disse que Valeixo não pediu para sair. “Isso mostra que o presidente não me quer no cargo.”

No anúncio da sua renúncia, Moro fez um balanço da sua atuação à frente do ministério e lembrou que recebera carta branca de Bolsonaro quando assumiu o cargo, o que, disse, não foi cumprido pelo presidente. “Falei que [a troca no comando da PF] seria interferência política, e ele disse que era isso mesmo.”

“O presidente me disse que queria uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, colher informações. E não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação. Imagina se os ex-presidentes Lula ou Dilma ficassem ligando para Curitiba para pedir informações sobre as investigações”, disse Moro. “O presidente me disse que tinha preocupação com inquéritos em curso no STF, e que a troca seria oportuna também por esse motivo. Isso gera uma grande preocupação.”

“Quando entrei no governo, me foi prometida carta branca para nomear todos os assessores, incluindo a Polícia Federal. Minha única condição, como eu estava abandonando 22 anos de magistratura e iríamos combater o crime organizado, eu pedi que, se algo me acontecesse, minha família não ficasse desamparada, sem uma pensão”, disse Moro.

“Em todo o período, tive apoio do presidente. Mas, a partir do segundo semestre, houve insistência do presidente para a troca no comando da Polícia Federal. Eu sempre disse ao presidente que não tenho nenhum problema com a troca, mas preciso de uma causa, de um erro grave. E o diretor-geral sempre fez um trabalho bem feito”, prosseguiu.

“O problema não é o nome, mas a violação da promessa de carta branca. Em segundo lugar, não há causa para a substituição. E, em terceiro lugar, fica claro que há uma interferência política, o que gera um abalo de credibilidade. Isso não aconteceu durante a Lava Jato, apesar de todos os episódios de corrupção.”

Ele também mencionou sua participação na Operação Lava Jato, a partir de 2014. “O governo da época [gestões petistas] tinha inúmero defeitos, como os crimes de corrupção, mas foi fundamental manter a autonomia da Polícia Federal para que ela fizesse seu trabalho”, disse Moro na entrevista em que anunciou seu afastamento do governo.

O desgaste entre o ministro e o presidente começou a aparecer já em maio de 2019, quando Bolsonaro afirmou que, ao convidar Moro para participar do governo, lhe prometeu uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro negou posteriormente esse suposto acordo e disse que não estabeleceu nenhuma condição para fazer parte do gabinete do atual governo.

Após esse episódio, Bolsonaro tentou, em agosto, trocar o comando da PF, mas acabou desistindo da mudança depois da resistência de Moro. O presidente pretendia indicar alguém próximo da sua família para ter mais controle sobre o órgão. Antes do episódio, ele chegou a dizer: “Eu dou liberdade para os ministros todos. Mas quem manda sou eu.”

Moro ganhou fama ao comandar os julgamentos da Operação Lava Jato em primeira instância. Na época, disse que não tinha intenção de largar a carreira no Judiciário para entrar para a política. Em 2016, polêmicas passaram a envolver o ex-juiz, quando sua atuação pessoal começou a ser alvo de questionamentos, e deu fôlego para os críticos que o acusam de agir de maneira política em processos.

Em meio ao escândalo que revelou uma imensa estrutura de corrupção na Petrobras, que alimentava partidos e figuras destacadas da política, Moro passou a se envolver diretamente em episódios como a divulgação dos grampos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que acelerou a derrocada do governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

Também foi Moro o juiz responsável pela primeira condenação de Lula, em 2017, que marcou o início dos problemas do petista para registrar sua nova candidatura ao Planalto em 2018. Moro também determinou a prisão do ex-presidente, que à época era o candidato favorito para vencer a disputa pela Presidência da República. Com Lula na prisão e barrado pela Justiça Eleitoral, Bolsonaro passou para a liderança nas pesquisas.

Poucos dias após o segundo turno da eleição de 2018, Moro surpreendeu ao aceitar o convite de Bolsonaro para ser ministro e abandonar a carreira no Judiciário. O ex-juiz garantiu ainda que teria total autonomia e que Bolsonaro lhe assegurou que “ninguém seria protegido” se viessem a surgir casos de corrupção dentro do governo.

À frente do ministério, Moro amargou diversas derrotas, como a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Justiça e Segurança Pública para a pasta de Economia e o fatiamento de seu maior projeto, o pacote anticrime, além da demissão solicitada pelo próprio Bolsonaro de Ilona Szabó, após a nomeação da especialista em segurança pública gerar uma repercussão negativa.

Moro também fechou os olhos para as denúncias de candidaturas laranjas pelo então partido de Bolsonaro, o PSL, que envolveram o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antonio, que chegou  a ser denunciado pelo Ministério Público e permanece no cargo.

Ele também ignorou o escândalo envolvendo o filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, que é alvo de uma investigação no Rio de Janeiro por suspeita de liderar um esquema de desvio de recursos públicos conhecido como “rachadinha”, que consiste em se apropriar de salários de assessores fantasmas.

No ano passado, a atuação de Moro na Lava Jato foi colocada em questão com o vazamento de mensagens atribuídas a ele e procuradores da operação, que levantaram suspeitas de conluio entre o ex-juiz e o MPF na condução de inquéritos e ações penais contra réus como Lula.

As mensagens, que teriam sido obtidas ilegalmente por hackers, indicam que o então juiz teria, entre outras coisas, orientado ilegalmente ações da Lava Jato, como negociações de delações, cobrado novas operações e até pedido para que os procuradores incluíssem uma prova num processo.

Apesar de negar irregularidades e a veracidade das mensagens, o então ministro rapidamente solicitou à PF uma investigação sobre o vazamento. Moro usou ainda o órgão para investigar o depoimento prestado no caso da morte de Marielle Franco por um dos porteiros do condomínio onde Bolsonaro tem uma casa no Rio de Janeiro. O porteiro teria dito que o presidente teria autorizado a entrada do suspeito pelo assassinato da vereadora no condomínio no dia do crime.

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