Vale a pena ler artigo que o jornalista Helder Alencar publicou na coluna “Pois é”, de 8 de maio de 1972, que assinava no jornal Feira Hoje. Através dele, o leitor vai ficar sabendo como era a noite feirense no início dos anos setenta. (Adilson Simas)

A cidade que tem medo da noite

Helder Alencar

Quando a noite vai chegando a cidade começa a sumir. O povo vai pouco a pouco desaparecendo das ruas como se temesse alguma coisa ou como se a noite não fosse encantadora, nos mistérios que oferece, na beleza que encerra.

A Feira de Santana, com seus foros de civilização e com seu garbo de metrópole, só existe até as 19 horas. Daí em diante morre. Não fossem os estudantes que acorrem aos cursos noturnos, não se veria viv’alma nas ruas da cidade.

É preciso que sociólogos, psicólogos e estudiosos outros busquem as razões de tal fato, pois não se concebe uma cidade em pleno desenvolvimento e em vertiginosa evolução sem vida noturna.

Os cinemas já não recebem grande público. As boates vão, surgindo e fechando. Foi assim com as quatro últimas que surgiram. De primeira qualidade, mas sem frequentadores. E nesta época do ano então a coisa piora. Não há gente na rua. Não há comunicação humana. Todos procuram viver do trabalho para o trabalho, como se os instantes de lazer não fossem recomendáveis, como complemento da atividade humana.

E agora, ao que parece, o negócio vai ficar mais feio. Estão instalando, nas avenidas principais, casas mortuárias com os produtos expostos, como produtos raros que necessitam de imensa publicidade para obterem saída. Realmente assombra. Causa terror aos que trafegam pelas ruas à noite. Há muita gente sem dormir só em olhar.

A Feira de Santana foi das poucas cidades onde a televisão dominou a mente humana. O feirense rendeu-se à televisão. Prende-se às quatro paredes de uma sala para assistir os mais degradantes programas, sem conteúdo, sem sentido instrutivo, sem objetivo maior, a não ser alcançar os índices de audiência tão preciso a que certos apresentadores recebam propostas nunca dantes imaginadas.

A Feira de Santana tem medo da noite. Pavor de viver o encanto, a beleza e a amenitude da noite. Recolhe-se cedo, como se a vida pacata sem uma diversão prolongasse a existência. A cidade ficou preguiçosa, ociosa, sem vida.

Recentemente um casal paulista, em visita a Feira de Santana, mostrava a sua decepção ao sentir todo o progresso à luz do sol e ao verificar que à noite não há vida. Não há reunião para bate-papo. Não há encontro para uma cerveja amiga. Para um sorvete. Para uma comunicação. Para um diálogo.

A movimentação dos estudantes é a única coisa que resta na vida noturna da Feira de Santana. Nem os sábados, nem as sextas, nem os domingos possuem movimentação. A chamada “Rua Augusta” está deserta e adormecida. Os clubes sociais às moscas, como se a ressaca da Micareta ainda dominasse a todos. É porque aqui a ressaca é mais prolongada que em outros centros.

Sim, a Feira de Santana tem medo da noite. Receio de encontrar-se com as luzes de mercúrio, ou com a luz natural da lua. Nem tão escura é a cidade para provocar tanto pavor. Mas provoca.

Ainda há tempo de salvar a vida noturna da Feira de Santana. É uma questão de mentalidade e de estado de espírito. Abandonar a prisão que a televisão está impondo para viver, existir, usufruir as boas coisas que o mundo oferece.