José de Jesus Barreto

Vésperas de uma eleição extremamente polarizada. Uma direita declarada, fascistóide e assumida contra uma esquerda desajustada, esquizoide e encardida. Pinta um segundo turno sangrento, de ódios exacerbados. Muitos já vislumbram um amanhã imprevisível, uma nação ingovernável.
Volver a História ajuda a refletir.
Há precisos 50 anos, meio século, a panela do mundo fervia e o Brasil se despedaçava, dentro. Aquele outubro nada primaveril desembocou no AI-5 de dezembro, quando os militares, no poder desde 1964, arrocharam pra valer a ditadura e o bicho pegou, feio.
O 68 começou tenso em todo o planeta. Os jovens estudantes agitaram as estruturas, carcomidas. O movimento estudantil francês uniu-se aos trabalhadores e a França parou em maio, em greves, instigantes bandeiras e barricadas. Houve eco. Na Tchecoslováquia a reformista Primavera de Praga contra o velho comando comunista soviético, movimento sufocado na porrada. Nos EUA, a luta contra o racismo e a desgraceira da Guerra do Vietnã. No México, o massacre de Tlatelolco, no começo de outubro, após a ocupação militar da UNAM; uma desgraceira, nunca contaram o número de mortos.
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O ‘outubro’ violento brasileiro começou em março, com o assassinato do estudante secundarista Edson Luis, no restaurante universitário Calabouço. O episódio rendeu a célebre manifestação/Passeata dos Cem Mil, no Rio (dia 26 de junho), e incendiou o ambiente estudantil, universitário e secundarista, no país inteiro. Uma grande bandeira unia todos: ‘Abaixo a ditadura!’
Nos dias 2 e 3 de outubro de 1968 aconteceria a chamada Batalha da Maria Antonia, o conflito entre os esquerdistas alunos da USP e os direitistas alunos do Mackenzie, que transformou a rua, onde se localizavam os campi universitários das duas instituições, em uma praça de guerra. Sangrenta de verdade. Teve muita pancadaria, vidros quebrados, paus e pedras, coquetéis molotov, ácidos, feridos, tiros de vera e um estudante secundarista baleado e morto: José Guimarães, de 26 anos, varado com uma bala calibre 45.
Daí, as manifestações se espalharam por outras ruas, até o centro de São Paulo, com veículos virados, incendiados e uma multidão de jovens quebrando e saqueando tudo pelas avenidas. Claro, a repressão militar pegou pesado. Muitos presos e enquadrados na Lei de Segurança Nacional.
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Para que se possa entender como tudo começou, é preciso contar que a USP era de fato um polo da esquerda estudantil que pregava uma ampla reforma universitária e a revolução contra os militares no poder. No comando, a UNE, que tinha como presidente o líder Luis Travassos, e na frente das batalhas um certo José Dirceu de Oliveira e Silva, esse mesmo, à época estudante, militante de comando. FHC ensinava lá, os estudantes o curtiam como esquerdista, posicionava-se pelas reformas. Do lado oposto, a ‘burguesia’ universitária do Mackensie, faculdade dos riquinhos, tida como de extrema direita pois tinha em suas fileiras até militantes do famigerado grupo CCC- o Comando de Caça aos Comunistas, benquistos pelos milicos do governo.
O estopim do conflito teria sido a cobrança de pedágios na rua, por parte do pessoal da USP, no intuito de conseguir dinheiro para bancar o Congresso da UNE, fiasco que aconteceria em Ibiuna, interior de São Paulo, semanas depois (as forças militares invadiram a fazenda em Ibiuna, onde os estudantes estavam reunidos, no dia 12 de outubro; mais de 800 presos).
O pessoal do Mackensie tentou impedir na tora a cobrança do pedágio, a pedradas. Houve reação, óbvio, e o couro comeu na rua. No começo da noite daquele dia 2 de outubro vidraças e janelas do prédio da Faculdade de Filosofia da USP restaram quebradas. Na tarde do dia seguinte a batalha recomeçou, já com uso de coquetéis molotov, porretes, ácidos e tiros de armas de fogo que partiam das janelas dos prédios da Mackensie. Um deles matou o secundarista. Aí a coisa tornou-se incontrolável.
Ou, pior: tudo terminaria controlado à força das armas pelos militares de plantão, a partir do AI-5 assinado pelo general presidente Costa e Silva nos meados de dezembro. Seguiram-se anos de trevas, com suspensão dos direitos civis e políticos, censura rigorosa, medo, perseguição dos ‘inimigos’, tortura e morte nos porões. Do ponto de vista político, os anos 70 foram de amargar.
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Termino, como proposta de reflexão, citando o fecho do artigo “Bolsonaro, Haddad e o Caminho da Servidão”, assinado pelo cineasta e pensador José Padilha, na edição de domingo da Folha de São Paulo:
“… se a ética não sobrepujar a ideologia no curto prazo, o Brasil caminha para uma tragédia sem tamanho”

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Zédejesusbarreto 1out2018