A crise econômica, política e mais recentemente a sanitária, em virtude da pandemia da covid-19, fez aumentar em todo o Brasil o número de pessoas em situação de extrema pobreza e vulnerabilidade social. Dados publicados pela Rede Penssan revelam que em apenas dois anos o número de pessoas que acordam todos os dias sem saber se terão o que comer saltou de 10,3 milhões em para 19,1 milhões. O estudo demonstra que o desafio para matar a fome desses brasileiros, que já era grande, se tornou ainda pior com o período pandêmico.

 

Em Feira de Santana, desde 2010, o Centro Social Monsenhor Jessé vem tentando minimizar um pouco dessa condição enfrentada por centenas de pessoas e famílias que buscam diariamente no local um prato de comida, que em muitos casos é o único do dia.

 

Morando nas ruas desde os cinco anos de idade, Francivaldo de Jesus Araújo, hoje com 50 anos, é uma dessas pessoas que se dirige todos os dias ao Centro Monsenhor Jessé para buscar o almoço.

Segundo ele, quando criança, se alimenta com os restos de alimentos de um supermercado, e até hoje ele acorda de manhã sem saber se terá algo para comer naquele dia e torce para conseguir alguma doação.

 

“Morar na rua é um sofrimento, tem muita violência. O café da manhã tem no Centro POP, se a gente for até lá. E de noite, geralmente alguns filhos de Deus de algumas igrejas, pessoas boas, saem das suas casas pra dar comida às pessoas da rua. Nunca deixa de aparecer”, relatou.

 

Morador da localidade de Tanquinho da Feira, César Pereira Machado disse que não tem família, mora só e atualmente está desempregado. Ele também vai diariamente ao centro social para buscar a marmita e algumas roupas.

 

“É muita dificuldade. Saí de Tanquinho, fui para Barreiras, e depois voltei para Feira de Santana já há 44 anos. Todo dia eu pego comida e roupas. E aqui também vendem alimentos com preços bem acessíveis, baratinhos”, afirmou.

 

O coordenador do Centro Social Monsenhor Jessé, Fernando Mangabeira Ribeiro, destacou que se sente grato por poder participar desse trabalho voluntário, desde 2018.

“Muitas pessoas questionam que a gente faz um trabalho voluntário e não tem remuneração monetária, mas se a gente parar pra pensar essa obra não é da igreja, é de Jesus, que nos deu a vida, o mínimo que a gente faz pra retribuir ainda é pouco”, afirmou.

 

De acordo com ele, o centro foi fundado em 2010 pela irmã Sino, que é uma religiosa da congregação das Irmãs Missionárias do Santo Rosário, e desde então vem desenvolvendo esse trabalho junto ao público mais vulnerável e carente de Feira de Santana.

 

“O principal é a refeição que a gente oferece de segunda a quinta-feira, em uma média de 200 a 300 quentinhas, dependendo da demanda que se apresenta no dia. Mas além da refeição, a gente tem outras atividades de assistência, como doação de roupas, kits de higiene, cobertores. Além da população em situação de rua, estamos atendendo pessoas em situação de vulnerabilidade social, a exemplo de garotas de programa, carregadores, trabalhadores informais, pois aqui a gente não faz a segregação de quem vai receber a quentinha”, informou Ribeiro.

 

Ele salientou que o centro se mantém através das doações e também realiza um bazar com parte do que é doado, a preços populares, a fim de angariar recursos e adquirir os materiais que não são recebidos através das doações, como a proteína animal, para compor as quentinhas.

Fragilidades sociais

 

O sociólogo Matheus Barros, que participa do Movimento Nacional da População de Rua de Feira de Santana, ressaltou que muitas famílias no município são marcadas pela violação de direitos, por estigmas, preconceitos e uma série de violações socioeconômicas, que as empurram para uma situação de vulnerabilidade social.

 

“São famílias empobrecidas, por não terem acesso ao mercado de trabalho formal, que empurra as famílias para uma condição de vulnerabilidade, ou pelo não acesso a uma educação básica formal. Então é multidimensional.”

 

Ele explica que o termo vulnerabilidade social é um conceito forjado e utilizado dentro das ciências humanas e sociais para indicar uma condição de determinados grupos, levando em consideração que essa condição está marcada pelo não acesso a bens e serviços básicos para manutenção da dignidade humana.

“Geralmente são processos que levam uma pessoa a essa situação. Desigualdade social, riscos e vulnerações afetam pessoas ou determinados grupos em níveis diferentes de intensidade, principalmente grupos que não têm acesso ao mercado de trabalho, à educação, serviços e bens, saúde, uma série de políticas públicas responsáveis pela manutenção de uma vida com garantia de direitos. Essa condição não é marcada por uma condição estritamente pessoal. Devemos pensar que no percurso daquela pessoa está uma série de fraturas nos serviços, nas políticas públicas e uma série de violações que condicionaram aquela pessoa a essa condição. São muitas famílias, infelizmente, em Feira de Santana que atendem a esse perfil de vulnerabilidade”, pontuou.

 

O sociólogo declarou ainda que a pandemia radicalizou essa realidade e fez aflorar as deficiências que já existiam nos serviços prestados aos mais pobres.

 

“Toda essa estrutura que já era deficitária de atendimento a essas pessoas em vulnerabilidade, com a pandemia, se instaurou uma calamidade na saúde pública e intensificando esses marcadores de vulneração. A pandemia serviu para não só sinalizar as fragilidades do acesso a bens e serviços, como também radicalizar essas populações, grupos específicos que já passaram por esse processo de não garantia de direitos, a exemplo da população de rua, que já sofria.”

Ações governamentais

 

Conforme um levantamento realizado pela Secretaria de Desenvolvimento Social de Feira de Santana (Sedeso), através do Cadastro Único, atualmente no município 28.019 famílias estão enquadradas na faixa da extrema pobreza, com renda que varia de 0 a 89 reais mensais. E um grupo formado por 25.343 famílias estão em situação de pobreza, com uma renda variando entre 0 a 178 reais por mês.

 

Para auxiliar essas pessoas ou grupos em situação de vulnerabilidade em Feira, o secretário de Desenvolvimento Antônio Carlos Borges Júnior informou que a pasta montou um Plantão Social, que atende de segunda a sexta, das 7h às 21h, e aos sábados, domingos e feriados, das 8h às 16h.

 

“Com isso temos uma casa de passagem para aquelas pessoas que estão sem destino, precisando de um abrigo e de orientação social. Diariamente fazemos abordagens no Plantão Social identificando essas pessoas que precisam desse apoio, numa margem diária de 150 a 200 pessoas. E temos um abrigamento com capacidade para 50 pessoas, onde hoje temos 33 pessoas, mas podemos ampliar esse atendimento. Também temos o restaurante popular, que atende aos que estão em vulnerabilidade social, pagando 2 reais pelo prato de comida. Estamos com essa ação muito forte, e a partir de agora a Sedeso, juntamente com o Centro de Abastecimento, estará atuando junto nutricionistas dentro desse restaurante”, informou o secretário.

Ele destacou ainda outras ações que vêm sendo realizadas pelo município, a exemplo do Cras Itinerante, que já atendeu cerca de 1.600 pessoas em dois meses, trazendo atendimento com psicólogos, assistentes sociais e orientadores sociais, além da atualização cadastral para o programa Bolsa Família.

 

“Essas ações ocorrem na busca de prestar um bom serviço às pessoas da comunidade, se aproximando mais das pessoas mais carentes, e está dando resultado. Nós sabemos que a pandemia trouxe novos indicadores. É preciso que a gente oriente melhor as famílias e melhore esses vínculos. Esse mês nós estaremos atuando fortemente com o ‘Criança Feliz: a primeira infância’, onde teremos 100 visitadores fazendo visitas a 3 mil famílias apresentando as condições de melhorar esses vínculos familiares. E temos agora o PAA de alimentos, que a secretaria vai atuar fortemente, fazendo um link com a agricultura familiar e trazer para instituições beneficentes a condição de ter o programa de aquisição de alimentos”, destacou.

 

Com informações do repórter Ney Silva do Acorda Cidade.