Desde 2001, o governo dos EUA pode solicitar que empresas do país forneçam dados de seus clientes – Foto; Agência Petrobras
Além de poder espionar os funcionários, o app atrapalha bastante o uso normal de equipamento pessoal
Igor Carvalho
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

A Petrobras contratou o app Microsoft Intune para mediar as relações entre a empresa e os trabalhadores, que receberam recomendações formais para que instalem o programa em seus celulares particulares. Mas os servidores têm reclamado que o aplicativo interfere na navegação do aparelho e que pode servir para que a empresa tenha acesso aos dados privados dos usuários.

De acordo com Gustavo Marsaioli, diretor do Sindicato Unificado dos Petroleiros de São Paulo, de onde partiu a denúncia, a medida foi tomada pela Petrobras após a pandemia, para “monitorar o teletrabalho”. “Com isso, vieram vários serviços, como o formulário de saúde e, assim como serviços para corrigir frequência e para acessar esses formulários, o trabalhador precisa ter o Intune. Então, estamos sendo forçados a instalar o aplicativo.”

O formulário de saúde exigido pela Petrobras é uma medida para monitorar os trabalhadores contaminados com coronavírus ou que tiveram contato com pessoas infectadas. Todos os servidores devem preenchê-lo após as folgas.

Nos termos de utilização do aplicativo, os usuários são alertados para as informações que podem ser acessadas pela Microsoft. “Seu administrador pode monitorar e gerenciar configurações, acesso corporativo, apps, permissões e dados associados a esse perfil, incluindo suas atividades de rede, bem como a localização, o histórico de chamadas e o histórico de pesquisa de contatos do seu perfil.”

Servidores que já instalaram o programa relatam que certos aplicativos ficam inviabilizados, a navegação do celular, mais lenta e ações práticas, como a captura de imagem da tela, são anuladas pelo Intune.

“Soltamos uma orientação aos trabalhadores para que não instalem [o programa]. A empresa pode exigir isso em dispositivos [celulares] fornecidos por ela, mas não em particulares. Também alertamos o RH, que se as pessoas forem inviabilizadas de trabalharem por não acessarem esse relatório da saúde vamos atrás de uma liminar”, ameaça Marsaioli.

O sindicalista alega que o aplicativo pode ser usado pela Petrobras para monitorar a vida dos trabalhadores fora do ambiente de trabalho. O especialista em Segurança Digital e professor no Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Rodolfo Avelino, confirma a possibilidade. “Você instalou um aplicativo e deu privilégios administrativos. Esse aplicativo tem permissão para alterar suas configurações. Se eu fizer um acordo contigo que eu só terei acesso aos arquivos corporativos, beleza. Mas daqui 15 dias eu posso mudar [essas regras] sem seu consentimento. É possível pegar as posições via GPS, pegar informação de fotos e dados pessoais.”

Nos termos de uso do aplicativo, trabalhadores são informados que a Microsoft pode acessar dados de seu celular / Foto: Reprodução

Segurança da informação

Em seu site, a Microsoft explica que o Intune é um programa em que os contratantes podem “configurar políticas específicas para controlar aplicativos. Por exemplo, você pode impedir que emails sejam enviados para pessoas de fora da sua organização. O Intune também permite que as pessoas em sua organização usem dispositivos pessoais para escola ou trabalho”, explica a empresa, que garante confidencialidade das informações dos usuários. “Em dispositivos pessoais, o Intune ajuda a garantir que os dados da sua organização permaneçam protegidos e pode isolar os dados da organização de dados pessoais.”

Avelino contesta a informação dada pela Microsoft. Para ele, não apenas os dados de trabalhadores estão em risco, mas também as informações da estatal. “É muito invasivo, instalar um espião no teu equipamento, que você pagou. Para que esse software funcione, ele precisa ter privilégios de acessos, então dados pessoais são cedidos, para que a empresa [Petrobras] possa ter informações.”

Avelino lembra que 15 dias após os atentados às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001, os EUA promulgaram a Lei Patriota, permitindo ao governo solicitar que empresas do país forneçam dados de seus clientes.

“Até onde vai essa ética, é algo que eu não confio. Considerando que a Petrobras é uma empresa estratégica, que trabalha com petróleo, não confiaria em nenhum momento que informações administrativas estivessem disponíveis para essa empresa (Microsoft)”, explica.

Em setembro de 2013, documentos da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA), vazados por Edward Snowden, mostram que o governo dos EUA espionou a estatal brasileira. O interesse americano seria a tecnologia brasileira de exploração em alta profundidade da camada do pré-sal.

Outro lado

A Microsoft não respondeu até o fechamento desta matéria. A Petrobras enviou e-mail informando que não irá comentar.