O depoimento à CPI da Pandemia da secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, nesta terça-feira (25/05), foi marcado por uma série de contradições, além de uma forte defesa do chamado “tratamento precoce” contra o coronavírus, como é conhecido o coquetel bolsonarista formado por drogas ineficazes contra a covid-19, como a cloroquina.

Pinheiro, conhecida como “capitã cloroquina” por sugerir diversas vezes a aplicação do medicamento no tratamento contra a covid-19, foi a nona depoente na CPI que investiga ações e omissões do governo federal e dos estados no combate à pandemia.

Ela disse que jamais recebeu orientação da presidência da República para promover o uso do remédio – sem eficácia cientificamente comprovada contra a covid-19 – e disse que isso tampouco teria ocorrido por sua escolha pessoal.

Algumas de suas declarações contrastaram com o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello  aos senadores na semana passada.

Pinheiro disse que Pazuello teria sido informado sobre a falta de oxigênio em Manaus no dia 8 de janeiro, dois dias antes da data que ele mencionou à CPI. Ao contrário do ex-ministro, ela disse que a plataforma TrateCov do Ministério da Saúde não foi hackeada, mas sim, teria sido alvo de uma “extração indevida de dados”.

Cloroquina e “tratamento precoce”

Pinheiro disse que o Ministério nunca determinou o uso da cloroquina no tratamento da covid-19, apenas orientou a aplicação de “doses seguras” do medicamento em pacientes infectados.

“O Ministério da Saúde nunca indicou tratamentos para a Covid. O Ministério da Saúde criou um documento juridicamente perfeito, que é a nota orientativa número 9, que depois virou a nota 17, onde nós estabelecemos doses seguras, onde os médicos pudessem utilizar medicamentos, com o consentimento de pacientes, de acordo com o seu livre arbítrio”, afirmou a secretária.

Questionada pelo relator da CPI, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), se foi pressionada pelo presidente Jair Bolsonaro  para defender a cloroquina, ela respondeu que não. “Nunca recebi ordem, e o uso desses medicamentos não é uma iniciativa minha pessoal”, disse a secretária.

O presidente e seus aliados defendem o chamado “tratamento precoce”, que tem como base medicamentos que não têm eficácia cientificamente comprovada contra o coronavírus, assim como a cloroquina.

A secretária afirmou que a recomendação desse tratamento para combater a doença deve depender do “livre arbítrio” dos médicos, com o consentimento dos pacientes.

“Eu mantenho a orientação enquanto médica, que a gente possa usar todos os recursos possíveis para salvar vidas”, afirmou, ao ser perguntada se mantem ainda hoje a recomendação do uso da cloroquina.

TrateCov

Pinheiro disse à CPI que o aplicativo Tratecov, elaborado pelo Ministério da Saúde, foi alvo de uma extração de dados, e não um hackeamento, como afirmou Pazuello. Segundo a secretária, este teria sido o motivo que levou o Ministério desativar a ferramenta.

Ao contrário de Pazuello, Pinheiro disse que não houve alterações no aplicativo porque ele era seguro, e que foi desativado para que houvesse uma investigação. Por sua, vez, o ex-ministro havia dito aos senadores que o aplicativo foi manipulado e colocado no ar pelo hacker.

“Ele pegou esse diagnóstico, botou, alterou, com dados lá dentro, e colocou na rede pública. Quem colocou foi ele; tem todo o boletim de ocorrência. Eu vou disponibilizar para os senhores”, disse Pazuello.

A secretária, entretanto, disse que o laudo da perícia no aplicativo mostra não ter havido hackeamento. “Ele não conseguiu hackear […] foi uma extração indevida de dados. O termo usado [pelo ex-ministro] foi um termo de leigos”, afirmou.

Pinheiro disse que o TrateCov foi elaborado para ser uma plataforma para auxiliar médicos no diagnóstico da covid-19. Os senadores, entretanto, afirmam que o aplicativo também receitava cloroquina para crianças e adolescentes.

Após o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), criticar o fato de o Ministério ter desativado um dispositivo que poderia ajudar no combate à doença, a secretária afirmou que a ferramenta estaria sendo “organizada” e deve voltar a ser utilizada.

O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), perguntou quem autorizou a utilização do TrateCov, que ainda era um protótipo. Ela disse que o protótipo era “validado e embasado em estudo internacional” e que a decisão partiu da secretaria comandada por ela, sem citar nomes ou assumir responsabilidade.

Crise do oxigênio em Manaus

Alvo de uma investigação sobre a falta de oxigênio para os pacientes de covid-19 em Manaus, Pinheiro avalia que o Ministério da Saúde não teve nenhuma responsabilidade pelo colapso na saúde na cidade, e jogou a culpa no coronavírus.

“A responsabilidade da doença é o vírus, senador, não é o Ministério da Saúde”, disse Pinheiro, ao responder um questionamento de Renan Calheiros. Ela afirmou haver “vários” problemas de gestão no estado do Amazonas, entre estes, a falta de controle e de “planejamento estratégico para o enfrentamento da doença”

“Nas unidades básicas de saúde nós não tínhamos triagem, os pacientes que chegavam com covid eram misturados com pacientes sem covid, se contaminando mais”, afirmou.

Pinheiro disse que não foi informada sobre o risco da falta de oxigênio durante visita que fez a cidade, entre 3 e 5 de janeiro. “Durante o período em que eu estive lá, inclusive eu participei de visitas aos hospitais, onde foi o nosso grande choque”, afirmou.

Calheiros quis saber em qual momento ela percebeu que faltaria oxigênio medicinal em Manaus. “Não houve uma percepção que faltaria”, respondeu.

“Pelo que eu tenho de provas, é que nós tivemos uma comunicação por parte da Secretaria estadual, que transferiu para o ministro um email da White Martins [empresa fornecedora de oxigênio] dando conta de que haveria um problema de abastecimento, segundo eles mencionado como um problema na rede”, disse a secretária.

Ela afirmou ainda que seria “impossível fazer uma previsão” sobre a quantidade de oxigênio que seria necessária para suprir a necessidade de Manaus.

Julgamento de Nuremberg

Renan Calheiros gerou revolta de alguns senadores ao usar como exemplo na CPI o julgamento de Nuremberg, onde oficiais nazistas foram acusados pelas atrocidades cometidas na 2ª Guerra Mundial.

O senador lembrou que Hermann Göring, membro do alto escalão do regime nazista, manteve sua lealdade a Adolf Hitler, e “insistiu que não sabia nada que que tinha acontecido”.

Alguns senadores da situação protestaram e disseram que era indevido comparar o genocídio nazista com o momento atual do país.

“Nuremberg reuniu e puniu inúmeros próceres nazistas e há muitos questionamentos, até hoje, que são feitos sobre o próprio julgamento. Por exemplo, se não foi um julgamento dos vencedores apenas; se a pena de morte dada como sentença não deveria ter sido a pena de prisão pelos crimes cometidos. São balizadores importantes”, disse o relator.

Calheiros disse que era sempre bom lembrar que a CPI “não é um tribunal de guerra, nem de exceção”, mas sim uma “instituição da democracia”.

“Não haverá aqui penas capitais; haverá o respeito absoluto ao devido processo legal e a responsabilização eventual dos culpados será, se for, baseada em provas técnicas e objetivas”, afirmou.

O relator negou ter comparado a pandemia com o genocídio nazista. O Holocausto é “assustadoramente comparável na negação dos oficiais nazistas e de algumas autoridades que depuseram aqui nesta CPI”, justificou.

Fonte: Deutsche Welle (DW)