por M K Bhadrakumar [*]

O importante discurso do ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov, dia 19 numa conferência internacional sobre o Médio Oriente, converteu-se na mais áspera denúncia russa até à data quanto à mudança na política estado-unidense da administração Trump em relação à Síria, onde o Pentágono pretende agora manter indefinidamente uma presença militar ( aqui e aqui ).

A impressão geral que Lavrov transmitiu é tríplice. Uma, em termos imediatos, é que se pode esperar uma intensifiação agravada dos combates na Síria devido às tentativas dos EUA de criar novos factos sobre o terreno utilizando proxies locais – a milícia curda mais filiados à al-Qaeda e combatentes do ISIS – assim como de fazer recuar a Rússia, o Irão e o governo sírio.

Em segundo lugar, a Rússia conclui que a mudança na estratégia geral dos EUA tem como objetivo balcanizar a Síria. (Posteriormente, ao falar aos media em Moscou, Lavrov também chamou a atenção para a presença de mercenários e das Forças Especiais da França e Grã-Bretanha no nordeste da Síria a trabalharem em conjunto com as forças estado-unidenses na implementação da agenda americana para criar zonas de influência).

Em terceiro lugar, as conversações entre Moscou e Washington em relação à Síria estão num beco sem saída. Lavrov especificamente advertiu uWashington de que está a “brincar com fogo” na Síria, indicando que a estratégia dos EUA se deparará com resistência.

Duas outras características da conferência de Moscou são que, primeiro, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, Mohamad Javad Zarif, tomou parte nela; e, segundo, o evento também destacou um papel mediador russo para a acalmia das tensões entre o Irão e a Arábia Saudita.

Zarif disse a Lavrov numa reunião segunda-feira em Moscovo que Teerão procura a ajuda da Rússia na resolução de conflitos intra-regionais no Médio Oriente muçulmano. Posteriormente Zarif postou na sua conta oficial no Tweeter: “Com a perspectiva estratégica sóbria da Rússia e sua crescente influência na Ásia ocidental, ela pode desempenhar um papel instrumental para ajudar numa mudança de paradigma no Golfo Pérsico baseado no diálogo e na inclusão”.

Assistiram à conferência delegados não oficiais de vários países do Médio Oriente, incluindo a Arábia Saudita. Enquanto isso, o rei Abdullah da Jordânia efetuou uma “visita de trabalho” a Moscou e encontrou-se com Putin. No dia anterior, Lavrov havia falado ao telefone com o seu homólogo egípcio, Sameh Hassan Shoukry. Ontem, Putin também telefonou ao presidente turco Recep Erdogan. A Síria foi o foco de todos estes diálogos.

A estratégia russa será persuadir estados regionais importantes que têm sido aliados regionais dos EUA – a Arábia Saudita e a Jordânia, em particular – a não se reincorporarem no conflito na Síria alimentando uma nova onda de combates. Se a abordagem tiver êxito, os EUA podem ficar em desvantagem com a falta de apoio regional para avançar com a via militar.

Contudo, embora os laços da Rússia com a Arábia Saudita se tenham fortalecido apreciavelmente nos últimos anos, a capacidade de Moscovo para intermediar uma aproximação saudita-iraniana está para ser vista. A Síria continua a ser uma importante fonte de rivalidade entre a Arábia Saudita e o Irão. E a ironia é que, finalmente, a administração Trump está fazer o que a Arábia Saudita queria que a anterior administração Obama fizesse, pressionar por uma agenda aberta de “mudança de regime” na Síria através de métodos coercivos.

Na percepção saudita, a Rússia sofreu recentemente uma série de revezes na Síria. Resumindo a situação síria, Ghassan Charbel, editor-chefe do influente diário Asharq Al-Awsat , do establishment saudita , escreveu segunda-feira: “Nunca antes todas estas bandeiras, interesses, perigos, exércitos, milícias, divisões internas e choques regionais e internacionais se reuniram nos seus territórios (da Síria). Desde o sul até Idlib, Hmeimen e Afrin, a Síria é como um barril de pólvora. Ela está no cerne de um vasto e complexo conflito geo-estratégico que é impossível resolver com a força e onde as perdas e os ganhos serão difíceis de prever… As circunstâncias regionais e internacionais não parecem maduras para… conversações acontecerem. A tragédia síria está aberta às mais perigosas possibilidades”.

A tendência saudita será esperar e observar para onde sopram os ventos. Por outro lado, a guerra no Iémen permanece a prioridade número um saudita e Riad procura um papel russo no término daquela guerra pela alavancagem da sua influência junto ao Irão.

[*] Analista político, indiano.

O original encontra-se em

blogs.rediff.com/mkbhadrakumar/2018/02/20/us-russia-rivalry-surges-in-syria/

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