Corte julgou uma ação da Rede que questionava investigação sigilosa do ministério contra críticos do governo

Por 9 a 1, ministros determinam suspensão imediata da produção de relatórios contra vozes contrárias que ajam dentro da lei. Ministério da Justiça produziu dossiê contra 579 servidores identificados como antifascistas.

Deutsche Welle*

O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou nesta quinta-feira (20/08) ao Ministério da Justiça a suspensão imediata da produção de relatórios contra integrantes do “movimento político antifascista” e qualquer opositor que estiver agindo dentro da lei.

A Corte julgava uma ação apresentada pelo partido Rede Sustentabilidade, que questionou uma investigação sigilosa aberta pela pasta de André Mendonça contra um grupo de 579 servidores federais e estaduais de segurança e três professores universitários, identificados como membros do “movimento antifascismo”.

Em julho, a imprensa brasileira revelou que a Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça produziu um dossiê com dados pessoais dos servidores e distribuiu um relatório às administrações públicas federal e estaduais.

O dossiê continha nomes e, em alguns casos, fotografias e endereços de redes sociais das pessoas monitoradas, críticas do governo do presidente Jair Bolsonaro.

O julgamento teve início na quarta-feira, com o voto apenas da relatora da ação, a ministra Cármen Lúcia. Nesta quinta-feira, outros oito ministros acompanharam o voto: Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Dias Toffoli. O ministro Marco Aurélio Mello foi o único a dar voto divergente.

Os nove ministros que votaram pela suspensão entenderam que houve desvio de finalidade do ministério na produção de dossiês contra opositores, e por isso proibiram o monitoramento de pessoas baseado em “escolhas pessoais e políticas”, bem como qualquer ato da pasta contra cidadãos que estejam exercendo seus direitos políticos de se expressar, se reunir e se associar.

“O uso ou abuso da máquina estatal, mais ainda para a colheita de informações de servidores com postura política contrária a qualquer governo, caracteriza, sim, desvio de finalidade, pelo menos em tese”, afirmou Cármen Lúcia na quarta-feira.

A ministra observou ser necessária a existência de serviços de inteligência do Estado para as seguranças pública e nacional, mas a atividade deles deve ser desempenhada dentro dos estreitos limites constitucionais e legais. Ela considerou que, caso isso não ocorra, em vez de defender o Estado, a sociedade e a própria democracia podem ser comprometidas.

“A República não admite catacumbas, a democracia não se compadece com segredos, a não ser para se lembrar de situações que precisamos ter como superadas”, afirmou.

Alexandre de Moraes, o primeiro ministro a votar nesta quinta-feira, concordou que houve desvio de finalidade por parte do ministério, mas zombou do dossiê contra opositores produzido pela pasta, afirmando que o material mais parece um “clipping jornalístico”.

“Está mais para fofocaiada do que para relatório de inteligência, mas podia avançar no sentido mais profissional e mais perigoso”, alertou o ministro.

Para ele, o mais preocupante é o viés político da ação. “O que mais me parece desvio de finalidade é a tentativa de órgãos de inteligência de tentar planilhar as preferências políticas e filosóficas de agentes policiais sem que eles tivessem praticado qualquer atividade ilícita.”

Edson Fachin, por sua vez, defendeu que “a administração pública não tem – nem pode ter – o pretenso direito de listar inimigos do regime”.

“O risco revelado pela possibilidade de construção de dossiês investigativos, travestidos de relatório de inteligência, contra inúmeros servidores públicos e cidadãos pertencentes a movimento de protesto, deve gerar preocupações quanto à limitação constitucional do serviço de inteligência”, completou o ministro.

Luís Roberto Barroso seguiu o entendimento, afirmando que monitorar adversários políticos é completamente incompatível com a democracia se não houver indícios de que eles estejam tramando contra as instituições democráticas. “Mas, se a preocupação fosse efetivamente essa, talvez fosse o caso de monitorar os grupos fascistas, e não os grupos antifascistas”, disse.

Rosa Weber também tocou no ponto do viés político da investigação. “Relatórios de inteligência não podem ter como alvo uma ideologia específica, ou sua ameaça, independentemente da ideologia que expressa”, afirmou a ministra.

“O poder arbitrário sem o freio das leis, exercido no interesse do governante e contra os interesses do governado, o medo como princípio da ação, traduz as marcas registradas da tirania”, acrescentou.

Sexto ministro a se pronunciar, Luiz Fux deu o voto que formou a maioria nesta quinta-feira. Ele também fez críticas ao material produzido pelo ministério. “Deveria se denominar relatório de desinteligência. Estamos no Estado democrático de direito, é proibido proibir manifestações democráticas.”

Marco Aurélio Mello foi o único a divergir do entendimento. Para ele, o relatório da pasta – um “cadastro de pessoas naturais e entidades” e de “movimentos que estão ocorrendo no território brasileiro” – está dentro da normalidade e não ameaça a liberdade de expressão.

O ministro ainda criticou a ação apresentada pela Rede, afirmando que foi baseada apenas na “capacidade intuitiva” do que foi publicado pela imprensa.

EK/stf/ots

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