Um estudo realizado pela Universidade Federal Fluminense (UFF) estima que o Brasil pode chegar a cinco mil mortes diárias pela COVID-19 – e, segundo Domingos Alves, professor de medicina na USP de Ribeirão Preto, esta é uma “previsão conservadora”.

Em entrevista à Sputnik Brasil, Alves não se mostra surpreso com os números preocupantes indicados pelo professor Márcio Watanabe na pesquisa da UFF. Ele afirma que vários cientistas alertaram para esta situação desde meados do ano passado – mas que infelizmente a situação atual acabou se tornando uma “tragédia anunciada”.

“A situação em que nos encontramos hoje é de uma gravidade histórica. Não há antecedente para o que está acontecendo agora. É uma situação caótica”, avalia Alves.

Em 16 de março, um estudo da Fundação Oswaldo Cruz mostrou que 24 estados brasileiros e o Distrito Federal estavam com taxas de ocupação de leitos públicos de UTI para pacientes de coronavírus igual ou superior a 80%. A situação deixa o país muito aquém da recomendação da Organização Mundial de Saúde, que estima um número mínimo de dez a 30 leitos de UTI disponíveis para cada 100 mil habitantes.

“O Brasil virou um grande Amazonas, o país está numa situação de colapso do sistema de saúde”, afirma o especialista, que coordena o portal COVID-19 Brasil.

Ala de emergência no hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre (RS), lotado em função da pandemia do coronavírus
© REUTERS / DIEGO VARA Ala de emergência no hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre (RS), lotado em função da pandemia do coronavírus

A sazonalidade ‘não é um fator importante aqui no Brasil’

O estudo da UFF foi conduzido a partir da análise de dados da pandemia coletados entre os meses de setembro de 2020 e março deste ano em mais de 50 países. A pesquisa considera a sazonalidade como fator agravante da disseminação do novo coronavírus. Ou seja, o estudo leva em conta o período em que a propagação do vírus tende a ser maior – outono e inverno – para chegar à estimativa das cinco mil mortes por dia.

Alves, no entanto, não acredita que a sazonalidade seja fator determinante para a pandemia no Brasil. O cientista lembra que a segunda onda começou a aparecer na Europa a partir do verão no Hemisfério Norte, quando as contaminações deveriam estar em baixa. Por isso, para ele, as aglomerações – independente do clima – é que são o fator decisivo.

“Nos países frios existe um componente importante das aglomerações forçadas por conta do inverno. Mas eu não creio que este seja um fator importante aqui no Brasil. Por aqui, estamos vivenciando uma transmissão grande do vírus e um aumento de óbitos em pleno verão”, diz o professor.

Movimentação nas ruas e comércio nos arredores do Mercado Popular do Saara, no centro do Rio de Janeiro, durante a pandemia da COVID-19, em 10 de julho de 2020.
© FOLHAPRESS / FERNANDO SOUZA / AGIF Movimentação nas ruas e comércio nos arredores do Mercado Popular do Saara, no centro do Rio de Janeiro, durante a pandemia da COVID-19, em 10 de julho de 2020.

Brasil chegará a 400 mil mortos em maio, prevê Alves

Apesar da discordância, as previsões feitas pelo próprio Alves batem com as de Watanabe. Segundo o pesquisador da USP, o Brasil vai passar a registrar 100 mil novos casos de infecção pelo coronavírus na primeira semana de abril.

Na primeira quinzena de abril, o país terá de 3,5 mil a quatro mil mortes diárias, chegando à marca de cinco mil mortes em maio. Na primeira metade de maio, o Brasil atingirá a marca de 400 mil óbitos causados pela pandemia.

Diferente da pesquisa de Watanabe, que considerou a sazonalidade, Alves leva em conta os índices recentes de transmissibilidade no Brasil para sua estimativa.

“Tanto os cenários das minhas previsões quanto das dele [Watanabe] mostram previsões conservadoras. […] Não estamos colocando nessa conta a questão da falta de atendimento, de óbitos causados por uma questão do serviço. São extremamente conservadoras”, alerta Alves.

O pesquisador se refere às pessoas que morrem antes mesmo de conseguir leitos para tratamento em hospitais ou que não resistem diante da falta de insumos como sedativos e oxigênio.

Ambulância posicionada para a recepção de pacientes diagnosticados com Covid-19, transferidos da cidade de Manaus, no Amazonas, durante desembarque em avião da FAB (Força Aérea Brasileira) no aeroporto Senador Petrônio Portella, na cidade de Teresina, nesta sexta-feira (15).
© FOLHAPRESS / AGIF/FOLHAPRESS Paciente com COVID-19 chega a Teresina (PI), após ser transferida de Manaus (AM), cidade que enfrenta colapso no sistema de saúde

‘Lockdown não é um palavrão’

Diante de cenários tão assustadores, o que pode ser feito para evitar uma tragédia ainda maior? Segundo Alves, a resposta é simples: lockdown. “Há um consenso entre os cientistas brasileiros de que o Brasil deveria ter instituído um lockdown nacional em março de 2020”, diz o cientista.

Além de recomendar o fechamento total – que rendeu bons resultados em outros países – Alves critica a morosidade do poder público em tomar atitudes mais severas, como o estabelecimento de barreiras sanitárias entre estados e municípios do Brasil.

“O que pode ser feito é tomar vergonha na cara. As pessoas que estão na gestão pública têm que parar com essa história de que lockdown é um palavrão, que não se pode fazer, e que ‘vamos salvar a economia’. Nós não salvamos a economia, somos o país que tem a pior economia ligada à pandemia, porque nós nunca fizemos nada para controlar a pandemia”, analisa Alves.

O professor da USP deixa críticas também aos superferiados iniciados nesta sexta-feira (26) no Rio de Janeiro e em São Paulo. Segundo ele, é necessário fazer com que as pessoas fiquem em casa, e não apenas decretar feriados: “Vai virar um carnaval prolongado. O pessoal vai viajar. São medidas para inglês ver”.

Fonte: Sputnik Brasil