A cidade de São Paulo registrou no último sábado (13) o primeiro caso da variante da COVID-19 conhecida como cepa de Manaus em um paciente que não viajou para o estado do Amazonas.

Até o momento, os casos registrados da variante de Manaus em outros locais foram diagnosticados em pessoas que tiveram contato com alguém que viajou para a cidade da Região Norte do país, segundo publicou o portal UOL.

O paciente identificado com a variante de Manaus apresentou sintomas leves e não precisou ser internado. A prefeitura  de São Paulo reservou, desde o final de janeiro, dez leitos isolados no Hospital Municipal Dr. José Soares Hungria, em Pirituba, para tratar infectados com a nova cepa.

A Sputnik Brasil conversou com Luiz Gustavo de Almeida, microbiologista da Universidade de São Paulo e do Instituto Questão de Ciência, doutor pelo Instituto de Ciências Biomédicas do Departamento de Microbiologia da USP. Ele comentou que a variante tem potencial para se espalhar por todo o país.

“O que a gente quer saber é se ela é mais transmissível ou não, se ela vai conseguir conseguir contaminar uma grande quantidade de pessoas por conta dessa mutação do vírus ou se foi um fator do comportamento da população que fez com que essa variante se tornasse mais predominante”, avaliou o especialista.

“Então são duas coisas bem distintas em relação à transmissão do vírus, precisamos ver em laboratório, é muito provável que foi por conta do comportamento das pessoas no final do ano, nas festas, teve um grande movimento de pessoas indo e voltando para Manaus e para outras cidades do Brasil também, não foi exclusivamente lá de Manaus, mas isso proporciona que o vírus tenha novas variantes, tenha novas mutações e resta saber se ela é mais transmissível ou não, ainda não se pode falar que essa variante de Manaus é sim mais transmissível”, continuou Almeida.

Transmissibilidade e letalidade da cepa de Manaus

O especialista explicou que o que vai definir se essa cepa de Manaus é mais transmissível vai ser o ciclo do vírus dentro das pessoas, do hospedeiro, de quem ela infectou.

“Quanto menor for o tempo que o vírus consegue se replicar nessas pessoas, ou se ele consegue infectar uma célula em tempo menor, isso dá uma grande vantagem ao vírus para iniciar mais prontamente seu ciclo de reprodução e de transmissão”, disse Almeida.

Em relação à letalidade da nova cepa, ele explicou que não é um “combo quanto mais transmissível, mais letal o vírus se torna. O que vai acontecer se for comprovado que ele é mais transmissível é que ele vai infectar mais pessoas, então consequentemente mais pessoas ficarão doentes, com casos graves surgindo também”, analisou o especialista.

Cuidados para tentar deter a nova cepa

Segundo Almeida, o cuidado para não se transmitir o vírus deveria ter sido tomado já há muito tempo, pois já convivemos com a pandemia há quase um ano, e já se sabe muita coisa, principalmente que ele é transmitido pelo ar, pelas gotículas, e de pessoa para pessoa. “Por superfícies ainda pode ser sim transmitido, mas é muito menos, os casos ocorrem muito mais no contato entre as pessoas”.

Imagem registrada na Av. conde da Boa vista, centro do Recife, mostra aglomeração de pessoas em meio à pandemia da COVID-19.
© FOLHAPRESS / VEETMANO PREM /FOTOARENA Imagem registrada na Av. conde da Boa vista, centro do Recife, mostra aglomeração de pessoas em meio à pandemia da COVID-19.

“Então o que já deveria ter sido feito para frear essa disseminação do vírus é restringir as viagens, principalmente para locais que têm muitos casos por dia sendo detectados, como é o caso de Manaus. As pessoas estavam indo e voltando no final do ano e ainda continuam viajando de avião, viajando de ônibus, entrando e saindo de Manaus como se nada tivesse acontecido”, disse o microbiologista.

Todo vírus produz variantes mais agressivas?

Almeida explicou que variantes do mesmo vírus são uma coisa extremamente comum. Ainda mais quando ele se replica do jeito que está se replicando aqui no nosso país: “Toda vez que o vírus encontra um hospedeiro, o que ele precisa fazer é gerar novas cópias dele. Ele toma conta das células, da maquinaria de replicação da célula e faz mais cópias dele, só que no momento dele fazer essas cópias, o vírus não tem muito cuidado de fazer uma cópia perfeita, certinha, como veio inicialmente”.

Então, disse o especialista, por isso que há variações no momento que o vírus está fazendo essa replicação do material genético, ele não é igual ao anterior que infectou a primeira pessoa. “Essas variações, o vírus não está pensando se vão ser boas ou ruins, ele está apenas se replicando, tem muitas mutações que ocorrem que na verdade fazem mal para o vírus”.

Partículas do vírus SARS-CoV-2, que causa a COVID-19, isoladas de um paciente nos EUA, saindo da superfície de células cultivadas em um laboratório, 2020
© AP PHOTO / INSTITUTO NACIONAL DE ALERGIAS E DOENÇAS INFECCIOSAS DOS EUA, LABORATÓRIOS ROCKY MOUNTAIN Vista microscópica do SARS-CoV-2

Almeida explicou que as variações que mais dão vantagem ao vírus acabam prevalecendo sobre as demais, e quanto mais o ser humano serve de veículo para o micro-organismo, se aglomerando, mais essas variações têm chances de se perpetuar.

Recomendações às autoridades sobre a nova cepa

“Essa não é a primeira nem a última variante infelizmente que a gente vai detectar que causa preocupação em humanos, porque o vírus ainda tá circulando aqui no Brasil e a gente está agindo como se não estivesse em uma pandemia”, continuou o microbiologista.

“Estamos em pleno Carnaval, vemos diversas festas acontecer, cheias de gente, só estamos dando uma chance para a pandemia se estabelecer aqui no Brasil, estamos falhando muito em combater a transmissão e falhando muito em prevenir, com uma coisa que já temos que é a vacina”, avaliou.

O especialista recomenda às autoridades parar o quanto antes com essa briga de vacinas e ter um maior número possível de doses disponíveis em todos os postos de saúde, para que de fato se comece a fazer uma campanha de vacinação.

“Porque o que foi feito até agora é uma ação em conta-gotas perto do número de população que a gente tem. Então infelizmente está muito aquém de uma campanha que a gente pode fazer. Tem a tendência de ficar ainda mais devagar por conta da falta de doses. Só a vacinação vai resolver nos problemas”, finalizou Almeida.

Fonte: Sputnik Brasil