Uma Nação de Misturebas

                                                                           zédejesusbarreto

A miscigenação brasileira é fato circunstancial histórico, resultado do colonialismo imperial português e não fruto de uma determinada política de branqueamento da nação, criada por intelectuais brancos depois da Lei Áurea, como querem os revisionistas.

A mistura começa com a chegada das caravelas lusas nas costas brasileiras. Ocupar e povoar. Brancos sujos barbudos e sedentos assediando as lisas, limpinhas e desnudas nativas de pele morena. O exemplo clássico é o acasalamento de Caramuru, o jovem náufrago Diogo Álvares Correia com a tupinambá Catarina, filha de cacique, nas praias da Bahia, décadas antes da chegada de Thomé de Souza para fundar Salvador, primeira capital do Brasil Colônia. Depois, foram trazidos aos montões os pretos (e pretas) africanos escravizados – mão de obra cativa na lavoura, na mesa, na cama e redes.

Índios, africanos e brancos europeus, por carência das carnes, danaram-se a fornicar, sem pejo ou escolha, nos matos, nas senzalas, casas grandes e sacristias, com o aprovo e incentivo dos governantes e dos missionários católicos. Era preciso multiplicar, tomar conta, produzir e batizar em “nome de Deus”. No desejo ou na tora.

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Quando o pernambucano Gilberto Freire escreveu o extraordinário “Casa Grande & Senzala” (leitura indispensável para o entendimento do Brasil), dessa mistura de cores e origens já resultara uma população de brancos, pretos, mulatos, caboclos, cafuzos, crioulos, pardos, marrons, amarelados, sararás … peles e olhos e cabelos com tessituras distintas e desenhos de variadas cores formatos, misturas de todo naipe e pra todo gosto.

Somos sim uma gente misturada, miscigenada, depurada e diferenciada. Mistureba.  Graças a Deus!  E aos instintos humanos.

Porque entre estupros e quereres – e isso não é Gilberto Freire que cria ou instiga, ele apenas constata e mostra -, branquelos e branquelas (ué, elas também gostavam) transavam com nativos, escravizados, alforriados, viajantes, invasores, imigrantes…  por força, necessidade, cios, perversidade, brinquedo, interesses ou incontroláveis desejos. Sempre fomos um imensurável brega.

A promiscuidade se espalhava, espalhou-se e continua se espalhando (mirem as periferias), sobretudo, entre adolescentes e jovens, o sexo fervente nas veias, nas carnes, mais forte que tudo também no animal humano.

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Porque a maçã do sexo não tem cor.

A vida e esse mundo são coloridos, não em P & B.

E mais: o que embranquece também empretece, e mulateia, cafuzeia, cabocleia, colore …  mistura.

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Daí, com essa configuração natural histórica, irrecorrível, queiramos ou não, gostemos ou discordemos do que aconteceu, nosso racismo e preconceitos, lutas, conquistas e derrotas ‘raciais’ são diferenciadas do que aconteceu e acontece nos EUA, no Caribe (Cuba, Jamaica, Haiti), na Sudamérica espanhola, em vários pontos da África e pelo mundo. Cada povo carrega sua bagagem histórica. O que se deu em Salvador e no Recôncavo é diferente dos acontecidos nos canaviais de Pernambuco, por exemplo, com o domínio dos holandeses por um bom período na região. Ou em São Luiz do Maranhão, ou no Rio Grande do Sul.

Concluindo …  lembremo-nos que é na mistura que germina a cultura. A mistura dá tempero, apura e enriquece. Congrega, abraça. Sim, somos brasileiros !  Miscigenados, diferentes.

Uma mistureba de nação. Que tal assumir?

Viva Jorge Amado!

 

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No mais …

O racismo é imundo

É como poeira/ácaros no ar que respiramos

Às vezes a gente nem vê, mas vai nos sufocando

Preconceitos asfixiam e matam

Só a luz, o fogo do conhecimento

E os ventos da liberdade

Podem varrer esse vírus maligno

Que aflige e degrada

Igualdade, fraternidade, humanidade !

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Zédejesusbarreto, jornalista de ofício e escrevinhador por deleite.

(julho/2020)