O acordo entre a Argentina e o Brasil para reduzir a Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul em 10% não é tanto uma disputa entre os dois países mas uma derrota dos setores mais liberais do governo brasileiro e, em particular, do ministro da economia Paulo Guedes, disse à Sputnik o analista internacional Camilo López.

O acordo anunciado pelos chanceleres de ambos países, o argentino Santiago Cafiero e o brasileiro Carlos França, permitirá reduzir em 10% a tarifa aplicada aos bens de países externos quando essas mercadorias entram no bloco.

Os chanceleres indicaram que a redução seria aplicada à grande maioria das mercadorias, mantendo no entanto a proteção de alguns setores como o automotivo, o têxtil e o calçado.

Se bem que reduzir a tarifa comum era uma das demandas daqueles que pretendiam uma maior liberalização do bloco, a imprensa brasileira, como a Folha de S. Paulo, destaca a diferença entre os 10% alcançados e a pretensão inicial do ministro Guedes, que defendia uma redução de cerca de 50%.

Para Camilo López, pesquisador uruguaio em Ciências Políticas e Relações Internacionais, para entender o significado político por trás da medida é necessário considerar “a dimensão política doméstica brasileira”.

“Claramente o que se nota aqui é que, na pressão que existe sobre a política externa brasileira, prevalece a visão da chancelaria”, observou o analista.

Nesse sentido, López afirma que nessa “luta” entre a chancelaria e o Ministério da Economia há “sectores internos dos dois países que obtêm benefícios”. Dessa maneira, os interesses dos grupos industriais brasileiros a favor de não reduzir as tarifas parecem ter tido mais peso do que a vontade do agronegócio do Brasil, impulsionador de uma maior liberalização.

Por que Brasil e a Argentina chegaram a acordo?

O especialista notou que os interesses desses industriais do Brasil, por sua vez, coincidem com os industriais argentinos e acabam sendo a base para o acordo entre Brasília e Buenos Aires.

Apesar das diferenças políticas entre as administrações de Alberto Fernández e Jair Bolsonaro, o pesquisador uruguaio opina que a chave das aproximações entre os países está na importância vital que esse vínculo (Brasil- Argentina) tem para a América do Sul em tempos de mudanças no plano internacional.

“Na história, a integração regional sul-americana funciona se a Argentina e o Brasil chegam a acordo. E esse acordo às vezes tem a ver com a forma como [eles] se posicionam frente a atores externos ou a situações desafiadoras a nível doméstico”, explicou.

Entretanto, segundo o pesquisador, as duas potências sul-americanas se aproximam em um contexto de maior “projeção dos EUA e da China sobre a região”, um contexto no qual “há incentivos para ter algum tipo de ação coletiva”.

O presidente argentino Alberto Fernández participa da cúpula virtual de 30 anos do Mercosul
© REUTERS / ESTEBAN COLLAZO / PRESIDÊNCIA DA ARGENTINA O presidente argentino Alberto Fernández participa da cúpula virtual de 30 anos do Mercosul

Para o cientista político, o consenso entre Brasília e Buenos Aires para reduzir as tarifas em apenas 10% acaba sendo uma má notícia para os interesses chineses, enquanto pode ser considerado “um sinal de primazia” dos interesses defendidos pelo chanceler.

“A minha opinião é que as negociações com países terceiros parecem não ser muito claras no acordo”, observou.

López contrastou essa postura com o caminho de maior flexibilização do Mercosul que defendia o governo do Uruguai, que em setembro anunciou a vontade da China de avançar em um acordo comercial que pudesse, no futuro, estender-se a todo o bloco regional.

De acordo com o analista, na sua análise, o governo uruguaio se baseou excessivamente na posição de Guedes e “não prestou atenção à situação interna brasileira para saber que o que a Economia estava dizendo não era a voz principal” no Brasil.

Fonte: Sputnik Brasil