Por Paulo Monteiro – Foto ilustrativa/Freepik
Me pergunto continuamente como é possível que grandes empresas se envolvam em escândalos de corrupção, considerando que os donos costumam ser pessoas respeitadas no mercado, seguidos por milhares de fãs e até protagonistas de best-sellers que se propuseram a desvendar os métodos que os levaram a tanto sucesso.
A verdade é que muitas pessoas, grupos e instituições que se declaram éticas o fazem por uma necessidade de validar a própria imagem diante da sociedade e até de si mesmas. Não reconhecem seus erros por não conseguirem conviver com o fato de que são seres humanos falhos e limitados, incoerentes e paradoxais, como todos somos.
O ser que se pretende perfeito e imaculado se distancia de sua real natureza, limitada, reprimindo suas manchas e distanciando-se delas, ao mesmo tempo que projeta, nos outros, erros e condutas reprováveis. Essa dissociação cria personas que vivem verdadeiros teatros, acreditando possuir uma índole límpida e exemplar quando, no fundo, aceitam, continuamente, a falta de virtude como conduta usual.
Essas pessoas e organizações buscam todos os argumentos para livrarem-se de qualquer responsabilidade por uma ação não ética, mantendo uma autoimagem de retidão quando esta não corresponde à realidade. Vivemos em uma sociedade patologicamente hipócrita, que se acredita reta, virtuosa, quando, na verdade, não age assim.
Trata-se de uma “ética da imagem idealizada”, uma narrativa do que muitos deveriam ser em contraste com o que são na vida cotidiana. Esta ilusão acordada individual e coletivamente permite um certo equilíbrio na aceitação das pessoas e organizações, mas traz à tona uma constante inautenticidade, incapaz de sustentar-se por muito tempo, já que a verdade dos fatos acaba emergindo em um mundo onde todos estão cada vez mais expostos.
A ética meramente intencional forma sujeitos parciais, teatrais, estagnados em sua mentira, hipocrisia e covardia. As organizações que optam por um discurso idealista e politicamente correto, distante da realidade do dia a dia, projetam-se como santuários da boa conduta, enquanto sua cultura exala escolhas inadequadas e não éticas.
O caminho não é revestir-nos de uma natureza angelical – que definitivamente não é a nossa –, mas aproximar-nos da nossa natureza limitada e falha, entendendo o que está por trás da lacuna entre o declarado e o praticado. Ao percebermos o que realmente pensamos no fundo de nossas consciências, poderemos desconstruir tais crenças e buscar novos comportamentos, evoluindo para uma conduta mais autêntica e exemplar.
A jornada da ética verdadeira passa por encarar nossas sombras, nossos próprios boicotes e sabotadores, reconhecendo as crenças e valores que os sustentam, para buscarmos superá-los com maturidade e humildade. Por isso, acredito que a coragem de olhar para o espelho e refletir sobre nossas próprias falhas é essencial para quebrar as ilusões que alimentam falsidades e hipocrisias.
Admitir nossas imperfeições humanas, ao invés de criar uma imagem idealizada e distante da realidade, é um ato de honestidade que previne a construção de uma falsa moral. Só quando encaramos com clareza nossas inconsistências e compreendemos o que está por trás delas, podemos alinhar nossas palavras e ações, promovendo a verdadeira integridade pessoal e organizacional.
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Paulo Monteiro é filósofo, professor, consultor e autor do livro “Antimanual Filosófico: para pessoas inquietas com dogmas organizacionais”