Por Maria Cecília Freire 

Um dos principais marcos da história ocidental do século XIX é a criação da nacionalidade brasileira e nesse contexto, nação e história, estavam fortemente ligados. Assim, essa construção possui dois lados, a expressão política e a escolha dos valores para a definição de cidadania, sendo necessário uma base cultural comum em etnia ou religião, juntamente a identificação e divulgação, para gerar aproximação entre os indivíduos. Assim a Literatura entra como uma forma de instrumento para que essa união aconteça. Financiados pelo governo e instituições responsáveis pelo desenvolvimento da história brasileira, esses autores escolhidos a dedo pelo poder político da época tentam trazer em seus romances o ideal de país civilizado.

Ricardo Salles no livro “Nostalgia imperial: a formação da identidade nacional no Brasil do Segundo Reinado”, diz que “as nações encarnam e recortam características culturais, mentalidades, padrões de comportamento econômico, social e político, geografias com ritmos lentos de mudança e com fortes raízes no passado, seja do ponto de vista histórico, seja do ponto de vista de sua simbologia”. A nação pode ser vista, continua Salles, como uma entidade histórica em que uma interpretação de seu passado e de suas origens torna-se elemento fundamental para sua compreensão, ao mesmo tempo em que se torna um elemento de sua própria constituição.

Pintura de Aurélio Figueiredo, em 7 de abril de 1831

Sob um ponto de vista histórico, a partir da abdicação de D. Pedro I, diante das rebeliões que aconteceram durante sua regência, a construção identidade nacional passa a se tornar uma forma de garantir a integridade do Império. Durante essa fase indianista e idealista de autores como José de Alencar, Gonçalves Dias, Araújo Porto Alegre e Gonçalves de Magalhães, eles criam em seus romances o ideal de “povo brasileiro” para que, através da literatura, pudessem fazer parte da história do Brasil, literatura essa que só chegava as pessoas letradas. No Romantismo tradicional, o ancestral seria elitizado e cristianizado, sendo o branco como o elemento civilizador, o indígena como símbolo da dignidade original sendo ajustado a civilização e o negro como símbolo do impedimento do progresso.

O IHGB (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro) foi essencial para a construção dessa história, fundado em 21 de outubro de 1838, tinha como principal objetivo divulgar o conhecimento do país e, assim, contribuir para precisar a criação de sua identidade. Com o projeto político que o criou, não foi por acaso a escolha de escritores pela instituição, uma vez que mascararam e destituíram os povos originários desta terra e criaram um personagem indígena inexiste, mas que supria a manipulação na linguagem para a manutenção do Império. Durante a narrativa de O Guarani (1857), por exemplo, não há menção a pessoas negras e isso acontece porque o apagamento do povo negro fez parte de um projeto político, do qual José de Alencar fazia parte.

Com eminente abolição do tráfico de escravos, o IHGB criou uma espécie de solução para a busca de mão de obra no país e essa solução viria através da inserção dos índios na sociedade por um processo civilizatório religioso e europeu. Assim, surgem os discursos que darão amparo ao poder imperial, bem como as produções artísticas e literárias que reforçaram a visão colonialista da época. A partir dos anos 50 o IHGB, se afirmaria como um centro de estudos, favorecendo a pesquisa literária, estimulando a vida intelectual e funcionando como um elo dos meios oficiais, deixando perpetuado o objetivo do governo imperial de criar uma consciência nacional.

O papel da cultura enquanto formadora da identidade brasileira fez-se essencial para o entendimento da atuação do governo, logo, a função política da sua linguagem nesse período também era alinhar-se com o discurso político da época, com a finalidade de unir de forma emocional a população aos interesses do Estado.

A construção de uma identidade nacional brasileira passou por várias fases, desde um Brasil colonial do qual o Império era comandado por portugueses, a um Brasil já formado e na tentativa de se desprender de uma cultura europeia e conservadora, nesse contexto, a Literatura teve imensa influência política e cultural durante esse processo e a linguagem usada nas narrativas foram metodicamente pensadas para que esse objetivo se concretizasse. O que deixa claro que a construção de uma identidade brasileira, criava uma representação do Brasil diverso em vários âmbitos, como cultura e linguagem, contudo, ressaltava que a subjugação indígena era essencial para a civilização, tornando os povos originários, estrangeiros em sua própria terra, tendo que abdicar de suas origens para serem socializados dentro da civilização branca.