Por Moisés Mendes, para o Jornalistas pela Democracia

Bolsonaro é uma invenção do brasileiro macho de extrema direita associado ao brasileiro médio em crise de identidade e de caráter, e não o contrário. Os eleitores de Bolsonaro não existem necessariamente porque Bolsonaro passou a existir.

Eles já existiam antes, extraviados ou misturados, na realidade mais recente, a tucanos e pefelistas.

Bolsonaro recrutou e agrupou o pessoal extremado e mais os embarcados circunstanciais, que talvez não fossem cúmplices da extrema direita se Bolsonaro não fosse o que é.

Bolsonaro nos põe diante do dilema do ovo e da galinha do fascismo brasileiro movido por ideologia, desalento, ódio da política, perseguição às esquerdas, ignorância e busca por algo que se apresente como o novo, mesmo que todos saibam que é o velho.

Mas o elementar é que Bolsonaro só existe, prospera e ganha expressão política porque sua ascensão ao poder foi o que milhões de pessoas desejaram.

Impuseram suas vontades com os meios clássicos de uma democracia. Mas a maioria desse contingente não é bolsonarista, é apenas oportunista.

Bolsonaro atendeu a uma demanda. Isso explica a existência de uma aberração aceita como aberração (ou os eleitores  achavam que ele seria normal?), num país que sofre com todo tipo de resignação e alienação desde o golpe de 2016 contra Dilma Rousseff.

Explicações locais, estritamente nacionais, podem dar conta da existência de Bolsonaro como um fenômeno brasileiro, mesmo que a extrema direita, com feições variadas, esteja disseminada pelo mundo.

as como Bolsonaro, uma criatura nacional, pode ser aceito como é pelo mais importante organismo multilateral do mundo, na condição de único governante de uma grande nação que ostenta com orgulho a condição de não-vacinado?

Que fraqueza faz com que a ONU aceite Bolsonaro sem vacina, impondo sua militância contra a ciência, na abertura da assembleia anual, se o que a ONU faz é tentar, e como tenta, normatizar condutas?

Que exemplo Bolsonaro pode dar ao mundo, depois de ser classificado e reconhecido internacionalmente como genocida?

Ao receber Bolsonaro sem vacina, a ONU cede não só a Bolsonaro, mas às ideias criminosas que ele defende. É grave, porque a ONU deveria impor o poder de sua pretensa e gasosa racionalidade, mesmo que como farsa.

Bolsonaro não entra em lanchonetes e restaurantes de Nova York, mas circula pela ONU. Aguardemos seu discurso mirabolante, em que insinuará que agora é outro homem.

Bolsonaro tentará enganar o mundo com uma conversinha conciliatória de defesa do diálogo, do meio ambiente e do entendimento entre as nações.

A ONU se presta a qualquer negócio. Se a comparação fosse possível, dava para dizer que hoje a ONU é mais vacilante do que o nosso Supremo. O Supremo pelo menos tenta resistir ao avanço do fascismo.

A ONU se reafirma como espaço recreativo e retórico, sem força para resistir a figuras política e moralmente acabadas, como é o caso de Bolsonaro.

A ONU, que nem deveria realizar a assembleia de forma presencial, segundo os epidemiologistas, está dizendo que não serve para nada, nem para continuar fingindo o que sempre fingiu.

A organização carimba a aceitação de Bolsonaro como excrescência consentida pelos parceiros e pelas convenções do multilateralismo. Nem um síndico faria tal concessão.

Bolsonaro, que foi comer pizza em Nova York, sabe que a ONU só não é a Avenida Paulista porque na Paulista há revezamento de público e de posições políticas.

Fonte: Brasil 247