Por  Felipe Coutinho

Fundamental que a sociedade tome consciência da renda petrolífera estatal que está em disputa

A relação entre os interesses públicos e privados precisa ser transparente, impessoal, moral, eficiente e legal. A legislação pode ser aperfeiçoada e a sociedade precisa estar atenta, em defesa do interesse público.

Na Petrobrás pode-se observar um fluxo de executivos entre a estatal e companhias privadas que competem, ou tem relação comercial com ela. O fluxo das companhias privadas para a estatal e da estatal para o “mercado” se dá por meio da porta giratória entre o Estado e o mercado.

Um executivo da Petrobrás pode ser recompensado com alta função no setor privado, se enquanto esteve na estatal agiu a seu favor, em detrimento da estatal. Também um executivo que vai para a Petrobrás, e pretende voltar ao mercado, pode adotar práticas e prioridades favoráveis ao mercado e prejudiciais à Petrobrás, ao Estado nacional e ao interesse público. Mesmo que não seja possível provar ilegalidades, é possível revelar que as relações são suspeitas e merecem investigação, além reconhecer a importância do aprimoramento legal e estatutário para evitar prejuízos à Petrobrás.

Apresentamos alguns casos, com objetivo de trazer transparência e publicidade ao funcionamento da porta giratória na Petrobrás. Não são acusações às empresas ou aos executivos. Trazemos informações públicas para que o leitor avalie se tem havido impessoalidade, moralidade e eficiência na relação da Petrobrás com seus competidores e fornecedores. Os exemplos são muitos e não se esgotam nos casos apresentados.

3R Petroleum

A 3R Petroleum está listada no Novo Mercado da bolsa brasileira e seu objetivo é desenvolver e produzir reservas de hidrocarbonetos, com foco em redesenvolvimento de ativos maduros terrestres e marítimos.

Roberto Castello Branco foi membro do conselho administrativo da Petrobras em 2015-2016 e presidente da Petrobrás, entre 3 de janeiro de 2019 e 13 de abril de 2021. Em maio de 2022, assumiu a função de presidente do conselho de administração da 3R Petroleum, sendo reconduzido no mandato até 2024. [1]

Carlos Alberto Pereira de Oliveira, conhecido como “capo” na Petrobrás, foi diretor da Exploração e Produção (E&P) da estatal, entre janeiro de 2019 e abril de 2021. Depois assumiu a função de CEO da E2SG Energy e, desde dezembro de 2022, conselheiro de administração da 3R Petroleum. [2] [3]

Hugo Repsold Júnior foi Diretor de Gás e Energia, Diretor de Desenvolvimento da Produção e Tecnologia e Diretor Assuntos Corporativos na Petrobrás, entre 2015 e 2018. Em 2021, assumiu a função de Diretor Corporativo e de Gás e Energia na 3R Petroleum. [4]

Entre 2018 e 2022, a direção da Petrobrás vendeu suas seguintes participações nos campos de produção para a 3R Petroleum:

– Papa-Terra, na Bacia de Campos

– Polo Recôncavo, na Bahia

– Polo Rio Ventura, na Bahia

– Polo Macau (Aratum, Macau, Serra, Salina Cristal, Lagoa Aroeira, Porto Carão e Sanhaçu), na Bacia Potiguar, no Rio Grande do Norte

A venda desses ativos e suas condições podem ter prejudicado a Petrobrás e favorecido a 3R Petroleum, a Diretoria responsável contava com executivos que saíram da estatal e assumiram altos cargos na 3R Petroleum.

Compass Gás e Energia S.A. (Compass)

A Compass Gás & Energia, empresa do Grupo Cosan, atua e investe em quatro segmentos de negócios, se estabelecendo como uma plataforma complementar de atividades para explorar as oportunidades do setor de gás natural e energia no Brasil. A Compass está focada em: (i) distribuição de gás natural; (ii) infraestrutura e originação de gás; (iii) comercialização de gás e (iv) geração térmica a gás e trading de energia elétrica.

Jorge Celestino Ramos foi Diretor de Abastecimento, Refino e Gás Natural na Petrobrás, entre 2015 e 2018. Em agosto de 2020, assumiu a função de conselheiro de administração da Compass. [5]

Desde 2015, a direção da Petrobrás arbitrou o maior plano de privatizações da sua história. O plano previa vender US$ 58 bilhões em ativos e, entre 2015 e 2022, foram vendidos US$ 47 bilhões. Entre os ativos a venda estava a participação da Petrobrás na distribuição de gás natural, por meio da Gaspetro. Em 2022, foi consumada a venda da participação de 51% na Petrobras Gás S.A. (Gaspetro), para a Compass.

A participação do Jorge Celestino Ramos na preparação da privatização da Gaspetro pode ter favorecido os interesses da Compass e da Cosan, na disputa pelo mercado de distribuição de gás natural no Brasil. Sua participação no conselho da Compass, pode ser entendida como um prêmio a sua atuação como Diretor de Gás Natural na Petrobrás e, mesmo que não seja ilegal, é moralmente condenável.

Karoon Energy

A Karoon é uma empresa internacional de exploração e produção de petróleo e gás, com ativos no Brasil e na Austrália.

Rudmar Andreis Lorenzatto foi Diretor de Desenvolvimento da Produção na Petrobrás, entre 2019 e 2021. Desde agosto de 2022, assumiu a função de vice-presidente de operações da Karoon Energy. [6]

Em 2019, a direção da Petrobrás vendeu sua participação no campo de Baúna (área de concessão BM-S-40), localizado em águas rasas na Bacia de Santos, para a Karoon Energy.

A venda do campo de Baúna e suas condições podem ter prejudicado a Petrobrás e favorecido a Karoon Energy, A contratação do Rudmar Andreis Lorenzatto como vice-presidente de operações da Karoon Energy, pode ser entendida como um prêmio à sua atuação como Diretor de Desenvolvimento da Produção na Petrobrás e, mesmo que não seja ilegal, é moralmente condenável.

Mubadala Capital

O Mubadala Capital é a subsidiária de gestão de ativos da Mubadala Investment Company, um investidor soberano global com sede em Abu Dhabi. Além de gerir seu próprio portfólio de investimentos, o Mubadala Capital administra US$ 9 bilhões de capital de terceiros em nome de investidores institucionais em todos os seus negócios, incluindo dois fundos no Brasil focados em special situations, três fundos de private equity, dois fundos de venture capital com foco em companhias em early stage, e um fundo com investimentos em ativos líquidos. [7]

Yuri Orse foi coordenador de projetos do Refino, coordenador de projetos de reestruturação do Refino e gerente do programa de reestruturação do Refino da Petrobrás, entre 2015 e 2022. Desde agosto de 2022, assumiu a gerência de desenvolvimento de novos negócios da Acelen que é o nome dado pelo grupo Mubadala à Refinaria Landulpho Alves (RLAM), desde que foi comprada da Petrobrás. [8]

A Refinaria Landulpho Alves (RLAM) e seus ativos logísticos associados, no estado da Bahia, foi vendida pela direção da Petrobrás em 2021.

A atuação do Yuri Orse na reestruturação da atuação da Petrobrás no Refino, com o objetivo de privatizar 50% da capacidade de refino da companhia, com a venda da RLAM e de outras sete refinarias, pode ter promovido o interesse do Grupo Mubadala na disputa pelo mercado de combustíveis no Brasil, em detrimento da Petrobrás.

A contratação do Yuri Orse como gerente de desenvolvimento de novos negócios da RLAM privatizada, rebatizada como Acelen, pode ser entendida como um prêmio à sua atuação como coordenador e gerente da reestruturação do Refino na Petrobrás e, mesmo que não seja ilegal, é moralmente condenável.

Grupo Ultra

O grupo Ultra atua na produção e distribuição de combustíveis, controla a Ipiranga (produtora e distribuidora de combustíveis), a Ultragaz (distribuidora de GLP) e a Ultracargo (armazenagem de granéis líquidos).

Anelise Quintão Lara foi gerente-executiva de Aquisições e Desinvestimentos e diretora de Refino e Gás Natural da Petrobrás, entre 2016 e 2020. Em 2022, assumiu atribuição como conselheira consultiva no Grupo Ultra. [9]

O Grupo Ultra tem Interesse na compra de refinarias da Petrobrás e disputa os mercados de produção e distribuição de combustíveis no Brasil com a estatal. Anelise Quintão Lara atuou no planejamento e execução da privatização dos ativos da Petrobrás que chegou aos US$ 47 bilhões, entre 2015 e 2022. A atuação dela na direção da Petrobrás pode ter favorecido o mercado em geral, e o Grupo Ultra em particular, sendo que sua contratação como conselheira do Grupo Ultra pode ser entendida como um prêmio e, mesmo que não seja ilegal, é moralmente condenável.

Conclusão

A porta giratória para a passagem de executivos entre a Petrobrás, seus competidores e fornecedores de bens e serviços precisa ser fechada. Para isso, é fundamental que a sociedade tome consciência da renda petrolífera estatal que está em disputa. É necessário reformar a legislação e sua aplicação para garantir que o interesse público se imponha em relação aos interesses privados.

Dezembro de 2022

* Felipe Coutinho é engenheiro químico e vice-presidente da Associação dos Engenheirosda Petrobrás (AEPET)