Por Morgana Montalvão  – Foto Pexels/Creative Commons

Nos últimos anos, Salvador e outras cidades da Bahia têm registrado um aumento de denúncias envolvendo crimes sexuais cometidos por líderes religiosos.

Esses indivíduos se escondem sob o manto da espiritualidade, explorando a fé, a vulnerabilidade e estado emocional dos fiéis, deixando um rastro de sofrimento e traumas irreparáveis.

O padrão é o mesmo: o líder religioso aproveita-se da posição de confiança e autoridade que possui e inicia uma aproximação com suas vítimas, a maioria mulheres em busca de orientação espiritual.  Ele, por meio da manipulação, isola a vítima estabelecendo um controle psicológico.

Com o pretexto de realizar “trabalhos espirituais” ou “purificações”, o líder religioso pratica atos de violência sexual, causando sofrimento físico e emocional.

O Ministério Público, a Polícia Civil e a Justiça possuem papéis cruciais na investigação, prisão dos acusados e punição dos crimes, funcionando como poderoso tripé, que zela pela sociedade.

Kleber Aran: líder espiritual condenado por abusos reiterados

Kléber Aran Ferreira e Silva, 50 anos, líder da Associação Sociedade Espírita Brasileira Amor Supremo (Sebas), foi condenado a 20 anos e cinco meses de prisão por abusar sexualmente de três mulheres que frequentavam a instituição.

 A decisão judicial, proferida no dia 11 de novembro, reconheceu a gravidade dos crimes e a quebra de confiança por parte do líder religioso, que explorava a fé e a fragilidade emocional de suas seguidoras para satisfazer seus desejos sexuais.

Ele também foi condenado ao pagamento de uma indenização de R$ 50 mil para cada vítima por danos morais.

Em setembro de 2020, o Ministério Público da Bahia (MP-BA)  recebeu relatos de quatro pessoas de Salvador (três delas mulheres), denunciando crimes de importunação, abuso e violação sexual mediante fraude. À época das denúncias, a defesa do líder religioso dizia que as acusações eram falsas.

Em 2021, a “Operação Cristal”, do órgão estadual, cumpriu mandados de busca e apreensão realizados em atuação conjunta com o Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) e 24ª Promotoria de Justiça de Salvador. O objetivo da operação era corroborar as denúncias de crimes. 

As denúncias dos abusos sexuais foram encaminhadas à Ouvidoria do Conselho Nacional do Ministério Público pelo projeto “Justiceiras”, um grupo que atua na proteção dos direitos de mulheres e no combate à violência de gênero.

Em nota enviada à reportagem do Notícias da Bahia, Sara Gama, promotora de Justiça do Ministério Público estadual, destacou a importância do órgão no comabte à violência contra a mulher, enfatizando que a instituição tem o dever de prevenir que outras mulheres se tornem vítimas e sejam enganadas por estes criminosos.

“Cabe ao Ministério Público a função de promover as ações penais que são do interesse da sociedade. Assim, ao acolhermos mulheres vítimas desses crimes sexuais, onde a fé é utilizada como mote para esses abusos, buscamos não somente dar a elas a resposta, como também prevenir que outras mulheres sejam enganadas e se tornem vítimas desses autores. O combate à todo tipo de violência contra a mulher é uma bandeira da instituição que não medirá esforços para fazer justiça a essa categoria de pessoas historicamente vilipendiadas nos seus direitos”, enfatizou.

A prisão

Dois dias antes de ser condenado pela justiça, Kleber Aran Ferreira e Silva foi preso durante um evento aberto ao público, o qual supostas cirurgias e tratamentos espirituais seriam realizados.

Equipes do Departamento de Proteção à Mulher, Cidadania e Pessoas Vulneráveis (DPMCV) da Polícia Civil cumpriram, no bairro da Pituba, um mandado de prisão preventiva expedido pela 4ª Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. A prisão ocorreu no templo do Amor Supremo, lugar em que o líder espiritual exercia suas atividades.

Ele se apresentava como médium em suas redes sociais e oferecia cursos de iniciação à mediunidade, tendo uma rotina itinerante. Aran promovia atos religiosos em diversas cidades do país, incluindo Manaus, São Luís, Maceió e Aracaju.

Segundo a  investigação do MP, Silva dizia incorporar o ‘Dr. Fritz’, operando um esquema de abuso de poder e manipulação psicológica dentro do centro religioso.

Não há comprovação histórica da existência do médico alemão Adolf Fritz. Entretanto, essa figura é costumeiramente invocada por líderes religiosos que realizam cirurgias espirituais, para conferir misticismo a seus atos.

Assédio constante e coação

De acordo com a denúncia do MP-BA, Silva atraía diversos seguidores em busca de cura e orientação espiritual e utilizava sua posição de líder para assediar sexualmente mulheres vulneráveis. 

O médium se aproveitava do estado emocional das vítimas e as obrigava a manter manter relações sexuais com ele. Ele dizia que as relações sexuais eram necessárias para realizar trabalhos espirituais e fornecer “energia sexual” para as entidades.  

O homem as coagia a consumir bebidas alcoólicas durante os encontros, aumentando a vulnerabilidade da vítimas, facilitando o abuso sexual. Esses abusos foram praticados por um longo período e de forma reiterada. 

Ainda, segundo informações do MP, após os atos criminosos, ele submetia as mulheres a “situações de humilhação e subserviência, permeadas por forte violência espiritual, psicológica, sexual e até financeira”.

A decisão da sentença judicial do dia 11 de novembro destacou a gravidade dos crimes, enfatizando a quebra de confiança por parte do líder religioso, salientando que ele explorava a fé e a fragilidade emocional das fiéis para satisfazer seus desejos sexuais.

Jair Tércio Cunha Costa: o falso profeta na lista da Interpol

O ex-grão-mestre da Grande Loja Maçônica da Bahia, Jair Tércio Cunha Costa, foi condenado a 17 anos e seis meses de prisão por abusar sexualmente de mais de 21 mulheres.

Conhecido como o “falso profeta”, ele utilizava sua posição de liderança religiosa e a crença de ser a reencarnação de Jesus Cristo, o profeta Maomé e o pintor renascentista Leonardo Da Vinci para manipular e abusar de suas seguidoras. O homem encontra-se foragido da justiça e integra a lista da Interpol.

Reprodução/Redes Sociais

Ele utilizava sua posição para abusar de mulheres, convencendo-as de que era um “ser iluminado”.  As acusações envolvendo Costa foram veiculadas na segunda temporada do programa “Linha Direta”,  da TV Globo, em 2023. 

A maioria das vítimas eram menores de idade e foram submetidas a diversos tipos de abusos, incluindo violência física, psicológica e sexual.

De acordo com reportagem do site UOL de abril de 2024, o líder religioso teve a decisão de prisão em segunda instância assinada em 20 de fevereiro. Inicialmente, a pena de Jair Tércio era de 13 anos e quatro meses de reclusão. Ele foi denunciado por abusar de 14 mulheres, a maioria, menores de idade e submetê-las a violência moral e psicológica.

Segundo o jornal Correio da Bahia, em uma reportagem publicada em 26 de fevereiro deste ano, em primeira instância, o juiz Pedro Augusto Costa acolheu a denúncia do Ministério Público da Bahia  e condenou Jair Tércio pelo crime de estupro de vulnerável, previsto no artigo 217 do Código Penal.

A defesa do acusado havia solicitado a desclassificação do crime para importunação sexual, prevista no artigo 215, pedido este que foi rejeitado pelo magistrado.

Em 2020, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) deflagrou a ‘Operação Fariseu’ para prender Jair Tércio, que era acusado de estupro de vulnerável, charlatanismo e lesão corporal.

A OCIDEMNTE

Fundada em 1984 por Jair Tércio Cunha Costa, a  Organização Científica de Estudos Materiais, Naturais e Espirituais (OCIDEMNTE) era a organização religiosa que ele liderava.

Mesmo após a condenação e a fuga do líder, a entidade mantém presença nas redes sociais, com a última publicação no Instagram datada em 10 de junho de 2023.

Rituais em condições extremas

A iniciação na seita de Costa exigia que os seguidores participassem de rituais em locais isolados e paradisíacos. Durante esses rituais, os membros eram submetidos a condições extremas, como privação de alimentos, água e sono, além de serem submetidos a desafiadores testes físicos e mentais. 

Ainda segundo a reportagem do site UOL, o programa Linha Direta contou a história de Tatiana Badaró, que aos 16 anos, namorava um seguidor da seita de Jair Tércio e foi coagida a se juntar ao grupo após engravidar.

Ela, para ser aceita, precisou seguir as regras da organização, como permitir que seu namorado destruísse suas roupas e determinasse seu vestuário.

Outro relato infroma que uma outra participante afirmou que Costa começou a lhe pedir fotografias. O líder dizia que iria fazer uma “leitura” dela, para que pudesse se “libertar”.

Em mais caso chocante, uma jovem lésbica foi submetida a uma falsa cura da homossexualidade, sendo estuprada pelo abusador.

A Justiça classificou o crime como “estupro corretivo”, uma prática violenta e criminosa que visa alterar a orientação sexual de uma pessoa. A jovem foi chamada para uma visita presencial ao flat de Costa, onde foi estuprada por ele. 

“Ele arrancou minha roupa e me violentou de uma maneira muito bruta. Naquele momento eu descobri da pior forma possível que ele era homem e o que era estar com um homem. Ele tirou tudo o que havia de mais puro em mim. A minha inocência, a minha virgindade. Ele se transformou em um bicho, um animal”.

A Justiça condenou o falso profeta a 12 anos de prisão pelo crime de estupro contra essa jovem. Costa também trocou mensagens com outra adolescente de 16 anos, o que evidencia um padrão de abuso sexual contra menores.

Confira outros casos de líderes religiosos presos por crimes sexuais:

03 de julho de 2024, Jequié: Um pastor foi preso suspeito de assediar sexualmente sete fiéis de uma igreja. O homem se aproveitava da posição que exercia como pastor e utilizava da confiança que possuía das vítimas para enviar mensagens de conteúdo sexual, com toques excessivos e elogios impróprios, além de contar sonhos eróticos e ter  atos inconvenientes em público.

As investigações começaram em dezembro do ano passado, quando cinco vítimas denunciaram o homem. Ao longo do processo de apuração, outras duas fiéis também o denunciaram.

Nos cultos, o pastor manipulava as palavras para silenciar as vítimas, instigando nelas um profundo medo de denunciar os abusos. 

Segundo as vítimas, ele fazia questão de reforçar o machismo estrutural dentro da congregação. O suspeito foi encaminhado para a delegacia de Jequié, onde segue à disposição da Justiça.

09 de julho de 2024, Manoel Vitorino:  Outro pastor, também professor e político foi preso, acusado de importunar sexualmente pelo menos seis alunas. 

As investigações tiveram início após uma das vítimas denunciar os abusos à direção da escola e à polícia. A partir desse primeiro relato, outras alunas também se manifestaram, informando situações semelhantes.

Com as provas coletadas, a Polícia Civil da cidade concluiu o inquérito e solicitou a prisão preventiva do acusado, que já está à disposição da Justiça.

4 de dezembro de 2023, Santa Maria da Vitória: Um outro pastor foi preso suspeito de estuprar uma criança de 10 anos. 

O celular do suspeito foi apreendido para perícia, com o objetivo de identificar possíveis provas relacionadas à pedofilia. O homem está à disposição da Justiça na delegacia de Santa Maria da Vitória.

Denuncie

Existem diversas formas de denunciar um caso de abuso sexual, tanto presencialmente quanto de forma remota. Os principais canais são:

Delegacia Especializada da Mulher: É o local mais indicado para registrar o boletim de ocorrência. Nesses locais, você encontrará profissionais especializados para te atender e te orientar durante todo o processo.

Disque 180: É a Central de Atendimento à Mulher, que funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. Através desse serviço, você pode realizar denúncias de violência contra a mulher de forma anônima.

Disque 100: É o canal nacional de denúncias de violação de direitos humanos de crianças e adolescentes. Se o caso envolver uma criança ou adolescente, esse é o canal mais adequado.

Ministério Público:O Ministério Público da Bahia possui canais para denúncias de crimes sexuais, como o e- mail [email protected] e o telefone 08006424577.

Ouvidoria das Mulheres: telefone/WhatsApp (61) 3315-9476 e o e-mail [email protected].

  
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