Quatorze meninas afegãs se reúnem todos os dias no porão de um prédio em Cabul para continuar seus estudos. A professora delas é uma aluna veterana que lhes ensina matemática.

A escola está escondida do mundo exterior – as portas e janelas estão fechadas para que ninguém possa ver ou ouvir as alunas. Um quadro branco fica no canto da sala, onde Nooria (nome fictício) explica logaritmos às suas alunas.

Depois que o Talibã derrubou o governo de Ashraf Ghani e capturou a capital, Cabul, no final de agosto, os fundamentalistas islâmicos impuseram restrições à educação de meninas. Em algumas cidades, as garotas não podem frequentar a escola depois da sexta série e, em algumas áreas, as meninas mais velhas não podem sentar-se com alunos do sexo masculino.

As medidas são arbitrárias, mas em total contraste com as declarações iniciais dos islâmicos de que respeitariam os direitos humanos fundamentais.

O Talibã governou o Afeganistão pela primeira vez de 1996 a 2001 com punho de ferro, impedindo as mulheres de trabalhar e impondo restrições à mobilidade delas. As meninas não tinham permissão para ir à escola, e os combatentes talibãs açoitavam as mulheres se elas violassem as rígidas leis da sharia impostas pelo grupo.

Houve vários protestos de mulheres contra o novo regime do Talibã em todo o país desde que os jihadistas assumiram o governo. As mulheres no Afeganistão insistem em suas demandas pelo direito à educação, emprego e reunião, que até agora foram negadas pelo grupo.

Mulheres usando véu islâmico protestam na rua segurando cartazes
Houve vários protestos de mulheres contra o Talibã desde que os fundamentalistas islâmicos tomaram o poder

Ensino secreto

Administrar a “escola secreta” nessas circunstâncias não é uma tarefa fácil, mas muitos pais estão determinados a educar suas filhas e estão prontos para assumir riscos.

Os alunos desta escola fazem diferentes caminhos para ingressar nas aulas em horários diferentes do dia para que não sejam notados pelas autoridades.

Não há carteiras e cadeiras na sala de aula; meninas sentam-se em círculo no chão. A DW falou com algumas dessas meninas, mas por razões de segurança, suas identidades foram ocultadas.

Saleha (nome alterado), estudante do 12º ano, diz que após o fechamento da escola por dois meses ela não teve outra escolha a não ser ingressar na “escola subterrânea”.

“Não aceitamos as restrições; portanto, com a ajuda de uma professora, iniciamos essa escola secreta. Queremos continuar nossos estudos”, diz, por telefone.

Nooria, que leciona nesta escola, era estudante de ciência da computação na Universidade de Cabul antes da tomada da capital pelo Talibã. Ela queria se tornar programadora, mas seu sonho foi destruído agora. “Parece que tenho um corpo, mas não estou viva”, diz, acrescentando que espera que os “dias sombrios” acabem logo.

Empreendimento arriscado

O governo afegão deposto era marcado pela corrupção, mas a educação das mulheres era um de seus grandes sucessos.

Quando os EUA invadiram o Afeganistão em 2001 e derrubaram o regime do Talibã, a educação de meninas era algo quase inexistente no país. Em 2020, milhões de garotas frequentavam a escola, e dezenas de milhares de mulheres iam para a universidade.

As Nações Unidas instaram o Talibã a garantir que as meninas continuem a receber educação no Afeganistão. Mas o Talibã não parece dar atenção ao apelo, e agora os riscos associados à educação de meninas são altos. “Se os talibãs descobrirem nossa ‘escola secreta’, eles nos punirão. Mas, apesar desse risco, não vamos desistir”, diz Saleha.

Shamsia (nome alterado), aluna do nono ano da “escola subterrânea”, admite que há riscos, mas afirma que não quer perder os nove anos de estudos. “Sim, estou com medo. Tento o meu melhor para ser o mais discreta sobre minha educação”, relata.

Restrições financeiras

As alunas desta escola pagam uma pequena taxa à professora, mas a situação financeira da maioria das famílias no Afeganistão faz com que mesmo uma pequena quantia já seja um grande fardo para elas.

A economia do Afeganistão está à beira do colapso, com a fome e a pobreza crescendo exponencialmente no país devastado pela guerra. As Nações Unidas previram que cerca de 95% da população do Afeganistão pode passar fome em poucos anos, e até 97% correm o risco de ficar abaixo da linha da pobreza.

A comunidade internacional prometeu ajuda financeira ao Afeganistão, mas a maioria dos países reluta em conversar diretamente com o Talibã.

Os Estados Unidos congelaram bilhões de dólares em ajuda ao país, conforme as sanções internacionais contra o grupo jihadista.

Para Nooria, no entanto, o dinheiro é secundário em relação a seu desejo de fornecer educação às meninas. Ela diz que há muitas famílias no Afeganistão que vivem em extrema pobreza, mas ainda estão comprometidas com a educação das meninas. “Não cobro de famílias pobres. Estou prestando um serviço”, garante.

Fonte: Deutsche Welle (DW)