A poucos meses do início do inverno europeu, o aumento da preocupação na Alemanha com os potenciais impactos de cortes no fornecimento de gás russo tem levado o governo e a classe política do país a debater um tema que no início do ano ainda era tabu: a prorrogação do funcionamento das usinas nucleares alemãs ainda em operação, cujo fechamento está previsto para o final do ano.

Um dos principais defensores da prorrogação é o liberal Christian Lindner, ministro das Finanças do governo de coalizão liderado pelo social-democrata Olaf Scholz. Em entrevista publicada no fim de semana pelo jornal Bild am Sonntag, Lindner argumentou a favor de manter as três usinas ainda em operação na Alemanha além de dezembro de 2022. “Há muito a ser dito para não fechar as usinas nucleares seguras e benéficas para o clima, mas para usá-las até 2024, se necessário”, disse o ministro.

O líder da bancada liberal no Parlamento, Christian Dürr, também vê a extensão da vida útil das três usinas nucleares restantes como uma questão de solidariedade europeia. “Não apenas a Alemanha está enfrentando uma grave crise de energia, mas toda a Europa”, disse Dürr na semana passada. “Não vejo como podemos explicar aos nossos parceiros europeus que estamos fechando fontes seguras de energia por razões ideológicas.” Em março, a vizinha Bélgica dediciu adiar seu próprio plano de abandonar a energia nuclear.

Já Linder também pediu publicamente para que o Ministério da Economia e Energia, liderado pelo verde Robert Habeck, impeça que o cada vez mais escasso estoque de gás seja usado puramente para produzir eletricidade, defendendo que essa demanda seja atendida pelas usinas nucleares. “Temos que trabalhar para evitar que a crise do gás seja agravada por uma crise de eletricidade”, disse.

Fechamento

Três usinas nucleares foram desligadas na Alemanha no ano passado, restando apenas três centrais ainda em operação: Isar 2, Emsland e Neckarwestheim 2. No primeiro trimestre do ano, elas responderam por 6% da geração de eletricidade do país, enquanto o gás foi responsável por 13%. O desligamento progressivo das usinas nucleares foi colocado em prática pelo governo da conservadora Angela Merkel em 2011, na esteira do desastre nuclear de Fukushima, no Japão, quando a opinião pública alemã apoiou em peso o fechamento das centrais.

No entanto, mesmo o partido de Merkel, hoje na oposição, é favorável à prorrogação das operações das usinas restantes. “Não faz sentido desligar as usinas que geram eletricidade. Queremos manter em aberto todas as opções que existem atualmente”, disse o conservador Friedrich Merz, atual líder da União Democrata-Cristã (CDU).

Mas entre os parceiros da coalizão de Scholz não há ainda um acordo. Recentemente, o ministro verde Habeck sinalizou que está deixando uma porta aberta para uma possível extensão da energia nuclear, mas sem se comprometer com o tema. Na metade de julho, seu ministério anunciou que vai conduzir um extensivo “teste de estresse” na rede elétrica da Alemanha para determinar se a rede de energia no país pode funcionar normalmente sob “condições agravadas” – isto é, com menos gás e sem as usinas nucleares.

O verde Habeck, o chanceler social-democrata Scholz e o liberal Lindner.
O verde Habeck, o chanceler social-democrata Scholz e o liberal Lindner. Membros da coalizão estão divididos sobre a energia nuclear Foto: Kay Nietfeld/dpa/picture alliance

Hesitação e oposição

Os resultados do teste devem ser divulgados ainda em agosto. Um porta-voz do governo Scholz disse que o chanceler federal quer esperar o resultado antes de determinar o curso de ação. Um primeiro teste em março apontou que as três usinas nucleares ainda em funcionamento não eram necessárias para garantir a segurança energética, mas o quadro no país se agravou desde então, especialmente após a Rússia reduzir para 20% o envio de energia que passa pelo gasoduto Nord Stream 1.

“A questão relevante que precisa ser feita é se a estabilidade da rede elétrica precisa ser garantida por meio de novas medidas este ano”, disse Habeck na semana passada, com uma linguagem mais hesitante do que a exibida ao longo do primeiro semestre, quando ele descartou prorrogar o funcionamento das centrais nucleares.

Mas muitos membros do partido de Habeck, os Verdes, não querem ouvir falar de uma extensão. “Acho que uma extensão é absolutamente errada”, disse a deputada Ricarda Lang, colíder dos Verdes, no domingo, em reposta aos argumentos do liberal Lindner.

“A energia nuclear é uma tecnologia de alto risco. Não devemos sacrificar os direitos básicos dos cidadãos à proteção contra perigos”, alertou a colíder da bancada do Partido Verde no Parlamento alemão, Britta Hasselmann.

Mas o quadro começa a ser visto com mais nuances por membros que estão no topo no partido. No dia 24 de julho, uma das vice-presidentes do Bundestag, a ecologista Katrin Göring-Eckardt, afirmou que todas as opções devem ser consideradas. A mesma opinião foi compartilhada pela ministra das Relações Exteriores da Alemanha, a verde Annalena Baerbock.

Mas mesmo os verdes mais abertos ao tema reconhecem que a extensão do prazo não é uma solução definitiva. O ministro Habeck apontou que a possibilidade de economizar gás com as usinas nucleares são “muito, muito pequenas”, indicando que o potencial de economia seria em torno de 0,5 a 0,7%.

Segundo ele, a maior parte do gás comprado da Rússia é usada para aquecer residências e pela indústria, com as usinas nucleares não desempenhando um papel relevante na substituição. No entanto, o liberal Lindner argumenta que é possível esperar um aumento no consumo de eletricidade no inverno, já que muitos alemães estão se voltando para aquecedores elétricos para escapar da alta dos preços de gás. Dessa forma, as centrais nucleares devem estar em funcionamento para atender a potencial demanda.

A oposição à energia nuclear é uma bandeira histórica do Partido Verde alemão e a legenda traça suas origens no vigoroso movimento antinuclear alemão dos anos 1970. Quando participaram pela primeira vez de um governo federal de coalizão, na administração do chanceler Gerhard Schröder, os verdes aprovaram o primeiro plano alemão de abandono gradual da energia nuclear.