Estamos há meses discutindo a política de saúde, a ciência, a pseudociência e a epidemiologia do SARS-CoV-2, popularmente conhecido como coronavírus. Já parou para pensar que desde a chegada do “corona” (para os íntimos), não falamos dos outros vírus? Percebeu que não se comenta mais sobre Dengue, Chikungunya, Zika e Hepatite C? Sobre o Rotavírus então, nem se fala, pois, as crianças não estão indo à escola, logo, não há o que comentar. HIV? Sim, conversamos sobre ele, pois popularmente sabemos que os portadores precisam estar com seu acompanhamento em dia evitando a imunossupressão, mesmo assim, eles fazem parte do grupo de risco, nossa, falei de novo do “corona”.

Não é só a SARS-CoV-2 o problema em nosso país, passamos por diversas crises ao mesmo tempo na área de saúde, entretanto vemos as notícias divulgadas diariamente, nos mais diversos meios de comunicação, evidenciando somente a pandemia. Nossa sucateada área de saúde sofre com outras doenças além das já citadas aqui, o Sarampo, mais uma esquecida em tempos de “corona” dentre as fáceis de prevenir com simples medidas profiláticas aplicadas no Brasil.

O sobrecarregado SUS, mal consegue dar conta de programas de vacinação e cuidados básicos com a saúde da família. O Sarampo que estava praticamente controlado apresenta números expressivos e crescentes, as cinco regiões do país apresentam surto da infecção. De janeiro a julho de 2020 foram notificados mais de 14 mil casos, sendo destes 44,4% confirmados pelos testes laboratoriais. Os estados do Pará, Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro são os mais afetados com índices que superam os 7 mil casos. Esse aumento exponencial no número de casos fez com que o Brasil perdesse o certificado emitido pela Organização Pan-americana de Saúde de erradicação da doença. O referido certificado nos foi dado em 2016 quando não registramos nenhum caso de Sarampo, e perder tal chancela traz prejuízos em diversas áreas.

A Dengue também se tornou outro caos para o sistema público de saúde, pois os números de notificações de casos prováveis superam os 905 mil, mostrando que a curva epidêmica supera a do mesmo período do ano passado. Estados do Sul e Centro-Oeste com 934,1 e 1.122,9 por 100 mil habitantes lideram o número casos.

Outra arbovirose conhecida, a Chikungunya, também tem quadro preocupante com mais de 56 mil casos prováveis, o que traz uma taxa de incidência de 27 casos por 100 mil habitantes. Tais números correm o risco de estar subnotificados, principalmente considerando que os parcos recursos estão voltados ao combate da pandemia de coronavírus.

Os índices epidemiológicos constituem uma importante ferramenta para a análise do processo de evolução de uma doença em nosso meio, e tal não está sendo usada de forma que possamos evitar calamidades como a que passamos no Brasil atualmente, onde além de combater um processo pandêmico instalado, vemos outras doenças das quais tínhamos certificado internacional de erradicação, simplesmente estourar com crescimento exorbitante de casos.

A falta de divulgação e conhecimento à população sobre a importância da vacina é outro fator a se observar, sabemos que hoje muitas deixaram de acreditar no poder da imunização por esse método.

Nossa pergunta agora é: o que é preciso para mostrar à população e aos governantes que os problemas existentes não pararam, apenas receberam um protagonista, momentâneo, que chamou a atenção, apenas isso?

Ainda temos que lutar para evitar que um cenário pior aconteça. Além do problema de saúde, das mais de 100 mil mortes e do impacto econômico, se não agirmos contra o que colocamos debaixo do tapete, iremos condenar o país a uma situação apocalíptica: pessoas desempregadas, economicamente frágeis, expostas ao coronavírus, Dengue, Chikungunya, Zika, HIV, Sarampo, Influenza e para piorar, dependendo de um sistema de saúde que não consegue respirar devido a COVID-19. E não adianta gritar “eu sou brasileiro e não desisto nunca”, pode faltar ar para encher o peito e gritar se não fizermos nada.

Autores:

Alessandro Castanha é biólogo, especialista em Microbiologia Clínica e professor do Centro Universitário Internacional Uninter.

Benisio Ferreira da Silva Filho é biomédico, doutor em Biotecnologia e coordenador do curso de Biomedicina do Centro Universitário Internacional Uninter.