Por Maria Cecília Freire

Olhos D’Água (2015) é uma obra que reúne uma série de 15 contos que relatam as escrevivências de mulheres e homens negros no meio de tanta violência e abuso presentes na sociedade brasileira. O primeiro conto, objeto desta análise, leva o mesmo título da obra e traz o aspecto da ancestralidade e identidade afrodescendente, apresentando uma espécie de conforto no meio da dura realidade da qual os personagens vivem, como no trecho “E também, já naquela época, eu entoava cantos de louvor a todas nossas ancestrais, que desde a África vinham arando a terra da vida com suas próprias mãos, palavras e sangue. Não, eu não esqueço essas Senhoras, nossas Yabás, donas de tanta sabedoria.”

Em suas narrativas Conceição Evaristo foca toda a atenção para a população afro-brasileira, abordando de forma nua e crua a violência urbana e pobreza recorrente, principalmente, nas periferias. Nesta obra você encontrará mães, filhas e avós, todas evocando sua ancestralidade e identidade através da prosa evaristiana.

A narrativa mostra alguém que ao pensar na cor dos olhos de sua mãe, entra em uma reflexão sobre a própria história, a narradora procura reconstruir suas lembranças através de sua mãe, fazendo a relação com suas origens ancestrais, no momento que a personagem compara a busca pelo olhar de sua mãe à “Estar cumprindo um ritual, em que a oferenda aos Orixás deveria ser descoberta da cor dos olhos de minha mãe.”

Fazendo uma contraposição entre ser mãe e ser filha a personagem passa a tentar descobrir qual é a cor dos olhos de sua filha, presente no trecho “Hoje, quando já alcancei a cor dos olhos de minha mãe, tendo descobrir a cor dos olhos da minha filha. Faço a brincadeira em que olhos de uma se tornam o espelho para os olhos da outra. […] E, enquanto jogava o olhar dela no meu, perguntou baixinho, mas tão baixinho, como se fosse uma pergunta para ela mesma, ou como estivesse buscando e encontrando a revelação de um mistério ou de um grande segredo. Eu escutei quando, sussurrando, minha filha falou: — Mãe, qual é a cor tão úmida de seus olhos?”

Neste conto, a ancestralidade e identidade afro-brasileira são instrumentos que concretizam a liberdade de escrever sobre seu próprio povo, deixando de lado a visão do negro na literatura como escravo, sem direitos na sociedade. A literatura de Conceição Evaristo cria vozes negras protagonistas de suas próprias histórias, sempre fazendo denúncias contra o descaso social que marginaliza a população afro-brasileira. Apresentando sensibilidade e fúria de forma poética e ao mesmo tempo muito real a escrita evaristiana vai cantar um pouco de sua própria história e também mostrar a dura realidade do povo negro que vive em busca de sobreviver dentro de uma sociedade tão violenta e desigual.