Após apelos da oposição, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), adiou a votação do Projeto de Lei (PL) 510/2021, que flexibiliza exigências relacionadas à regularização fundiária. O texto enfrenta ampla resistência de ambientalistas, entidades civis e parlamentares de oposição ao governo Bolsonaro, interessado na medida.

Patrocinada pela bancada ruralista, a proposta foi colocada em votação depois de ser incluída na pauta apenas um dia antes, na terça-feira (27), sem acordo e pouco mais de dois meses depois de ter chegado à Casa, no final de fevereiro. Pacheco voltou atrás na ideia da votação para esta quarta após receber três requerimentos de retirada de pauta vindos dos senadores Eliziane Gama (Cidadania-MA), Paulo Rocha (PT-PA) e Rogerio Carvalho (PT-SE).

“Fui surpreendida, assim como outros colegas de Parlamento e como varias autoridades da área ambiental do Brasil, [com a informação] de que o projeto estava na ordem do dia. Fiquei muito preocupada porque nem mesmo conhecimento do substitutivo nós tínhamos até hoje pela manhã. Imaginem, pra um projeto dessa magnitude, a gente não ter tempo de ter uma leitura mais aprofundada”, queixou-se Eliziane.

Ela acrescentou que votar o PL sem um debate prévio nas comissões e sem audiências públicas traria “um resultado danoso” ao país, que hoje carece de ajuda internacional para conter a pandemia.  A senadora lembrou os destaques que houve na Cúpula do Clima, na semana passada.

“Tivemos apelos inclusive do presidente americano em relação ao Brasil porque o país fez pedido aos Estados Unidos pra ajuda no período de pandemia e ele colocou vários elementos, incluindo a preocupação com a questão ambiental aqui. Esse PL, sendo colocado hoje e aprovado, vai na contramão do que esperamos ter do Congresso em relação às ajudas internacionais”.

 

Quebra de acordo

A oposição também se queixou de quebra de acordo porque, em acertos anteriores, líderes partidários do campo majoritário combinaram com o grupo que o PL entraria em votação no plenário somente após discussão.

“Havia um acordo para analisar os requerimentos de audiência pública antes da análise do projeto. A matéria é polêmica e não vejo a necessidade de aprovar a toque de caixa esta proposta”, disse o líder da minoria, Jean Paul Prates (PT-RN), em nota pública divulgada momentos antes da sessão.

Diretamente associado à grilagem e a outras práticas ilegais, desmatamento é favorecido pelo PL 510/2021, segundo opositores e especialistas / Secom/MT

Densidade

O senador Rogério Carvalho, por exemplo, destacou que o PL é complexo e de amplo alcance porque envolve muitos dispositivos legais, como questões de regularização fundiária, administração, alienação, transferência e gestão de imóveis da União e ainda transferências de domínio de terras federais aos municípios.

Por conta disso, Carvalho defendeu que a medida não seja votada durante este período de sessões remotas, em que o Poder Legislativo prioriza pautas relacionadas à contenção da pandemia.

“A gente tem algumas exceções, mas um tema como esse não tem a emergência de outros temas que a gente tem trazido pra pauta. Acho que requer uma discussão mais apurada. É fundamental que a gente faça esse debate, é importante a regularização fundiária, mas não pode ser feita de qualquer jeito. É preciso ter um debate sobre isso”.

A primeira audiência pública sobre o PL, por exemplo, está agendada para esta quinta-feira (29) no Senado. Com a exclusão da proposta da pauta de votações desta quarta, a ideia de Pacheco é que o tema seja debatido em reunião de líderes para depois ser reincluído na agenda de votações.

Governo

Vice-líder do governo na Casa, o senador Marcos Rogério (DEM-RO) disse que o PL “evita a perpetuação de conflitos fundiários no Brasil afora”. “Esse projeto representa o maior programa de proteção ambiental e econômica do Brasil”. Ele sugeriu que desmatadores que agem na ilegalidade ajudam a proteger o meio ambiente.

Aliado de primeira hora da gestão Bolsonaro, Marcos Rogério e a tropa do Planalto engatam uma disputa de narrativa sobre o tema para tentar produzir um ambiente político menos árido à aprovação do PL, que tem ampla rejeição popular.

Especialistas

A oposição rebate o enredo do governo sobre o mérito da proposta. Jean Paul Prates, por exemplo, afirma que a medida “é um atentado ao meio ambiente e à reforma agrária” porque, ao afrouxar as regras de regularização, “incentiva a invasão de terras e enfraquece as salvaguardas ambientais”. “Se for aprovado, vamos liberar a grilagem de terras e o desmatamento ilegal”, reforça o líder.

Na mesma sintonia, entidades civis que atuam na área ambiental também fazem alertas sobre o texto. Mais cedo, diferentes ambientalistas e outros atores movimentaram as redes sociais para pedir a não votação do PL.

Uma nota pública veiculada nesta quarta pela Coalizão Brasil, por exemplo, destaca que o PL 510 “vai na contramão do que se espera de regularização fundiária” porque, entre outras coisas, amplia de 2008 para 2014 a data-limite para legalização de invasões de terras públicas.

A organização também chamou atenção para o fato de o PL autorizar que áreas grandes de até 2.500 hectares sejam entregues sem vistoria a quem se apresenta como ocupante do terreno. “Essa lógica de constante flexibilização do marco temporal e do tamanho dos imóveis a serem titulados acaba por legitimar práticas de grilagem e estimular novas ocupações ilegais, aumentando a pressão sobre as florestas públicas”, disse a entidade.

 

Fonte: Brasil de Fato