DW – O aumento temporário do valor do Auxílio Brasil, cujo valor mínimo pago a beneficiários passará de R$ 400 a R$ 600 às vésperas da eleição, ajudará a reduzir a pobreza e a fome nesse período, mas não inclui melhorias no formato do programa. A medida foi autorizada pelo Congresso nesta quinta-feira (14/07)e deve valer até dezembro.

Alguns especialistas em políticas públicas de distribuição de renda vêm fazendo críticas ao desenho do Auxílio Brasil desde que ele foi implementado pelo governo Jair Bolsonaro para substituir o Bolsa Família, marca da gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ambos vão se enfrentar na campanha eleitoral deste ano.

O principal problema apontado é que o programa não diferencia de forma precisa a realidade socioeconômica das famílias beneficiadas. Ao nivelar todas de forma parecida, acaba pagando menos a quem precisava de mais, e pagando mais a quem, comparativamente, precisaria de menos. O resultado é o desperdício de recursos para combater a miséria.

“O valor [de R$ 600] é um piso, independente do grau de pobreza da família. Esqueceram uma lição básica, que é dar mais para quem tem menos, e dar mais para famílias maiores”, afirma o economista e diretor da FGV Social, Marcelo Neri.

Segundo ele, um desenho mais eficiente do programa seria possível porque o governo dispõe das informações necessárias para redistribuir renda de forma mais justa – o Cadastro Único, base nacional de dados socioeconômicos sobre a população mais pobre, existe e vem sendo atualizado há mais de duas décadas.

A crítica é compartilhada por Naercio Menezes Filho, do Insper. Para ele, a não-diferenciação entre famílias por renda, número de membros, custo de vida e faixa etária deve provocar mais descontrole nos gastos públicos, já que “há incentivo para criação de novas ‘famílias’”.

“No limite, cada pessoa pobre maior de 18 anos seria uma nova família e, portanto, receberia R$ 600, mesmo que tivesse renda próxima da linha de corte para ficar no programa. Por isso é que seria necessário diferenciar o valor da transferência para cada família. Seria o mais justo, pois quem precisasse mais receberia mais”, explica o economista.

Incerteza para 2023

O Auxílio Brasil foi instituído no final de 2021 e atende com o valor mínimo famílias com renda familiar mensal per capita de até R$ 210. O Bolsa Família, programa que o antecedeu, trabalhava com duas linhas de pobreza diferentes a depender da composição familiar, pagando mais a lares com gestantes, crianças ou adolescentes, e a famílias mais pobres.

O aumento do valor mínimo pago pelo Auxílio Brasil começa valer em agosto e deve ser extinto ao final deste ano. Ou seja: ao longo de cinco meses, famílias pobres receberão R$ 200 extras.

A partir de janeiro de 2023, a situação é incerta – não se sabe como esses valores poderiam ser mantidos, já que o ajuste não tem previsão orçamentária para o ano seguinte e fatores como o teto de gastos impõem algumas amarras aos gastos públicos.

A incerteza sobre a permanência dos R$ 600 paira também no caso de uma vitória de Lula nas eleições presidenciais. As diretrizes do programa de governo do petista, divulgadas em junho, defendem a renovação e ampliação do Bolsa Família a fim de “garantir renda compatível com as atuais necessidades da população”, mas não citam valores.

Em 12 de julho, contudo, o ex-presidente afirmou em entrevista ao jornal Correio Braziliense que pretende tornar permanente o valor. Segundo o colunista da Veja Thomas Traumann, a manutenção do piso mínimo de R$ 600 requer um alinhamento com o Congresso e deve atentar contra a Lei do Teto de Gastos. Mas analistas apontam que iniciar um eventual mandato pressionando as contas públicas, em um cenário de crise econômica, não será favorável ao novo governo.

Valores defasados

Outro problema estrutural apontado por especialistas é a falta de reajustes anuais no valor do Bolsa Família e do Auxílio Brasil que pelo menos reponham a inflação do período, assim como o reajuste da linha de pobreza que estabelece quem tem direito ao benefício.

Uma solução apontada para esse problema seria definir, em lei, um critério de reajuste anual do benefício social – tal como ocorre com o salário mínimo. Atualmente, a iniciativa depende de um decreto presidencial, que estabelece o momento e o percentual de reajuste de forma arbitrária.

Em novembro do ano passado, às vésperas da extinção do Bolsa Família e decorridos quase três anos desde a chegada de Bolsonaro ao Planalto, o governo ajustou as linhas de pobreza do programa de R$ 89 para R$ 100, e de R$ 178 para R$ 200, elevando também os valores do benefício. No mês seguinte, o programa foi substituído pelo Auxílio Brasil.

A aprovação dos R$ 200 extras no calor do período eleitoral também carrega em si problemas, segundo Menezes Filho. “Aumentar o valor da transferência é uma iniciativa válida. O problema é como o processo foi conduzido”, afirma. “Fragiliza toda a estrutura jurídica criada para evitar aumento de gastos em anos eleitorais com o simples objetivo de ganhar votos. Daqui para frente, toda vez que o presidente em exercício precisar ganhar votos e tiver maioria no Congresso, basta passar uma Proposta de Emenda Constitucional e mudar qualquer legislação vigente que visa proteger o contribuinte.”

Outro ponto criticado é a viabilização de empréstimos consignados cujas parcelas mensais podem abocanhar até 40% do benefício. Para pessoas em situação limite, a perspectiva de conseguir dinheiro rápido pode soar atraente, mas embute armadilhas como juros altos e parcelas a perder de vista – algo especialmente delicado considerando a incerteza sobre a continuidade dos R$ 600 a partir de 2023.

“As pessoas vão se endividar no período eleitoral”, alerta Neri. “E depois ficarão presas ao programa de transferência, pois dependerão dele para pagar o empréstimo”, completa Menezes Filho.

Uso eleitoreiro

Segundo Neri, o uso da máquina pública por governantes em períodos pré-eleitorais não é novidade e tem nas últimas décadas provocado aumento da pobreza no pós-eleição, já que o volume de gastos tende a não se manter. “Mas isso está sendo turbinado agora. Essa flutuação [de renda] é deletéria para os pobres”, afirma.

O economista da FGV se refere a medidas pontuais, como o auxílio emergencial durante a pandemia de Covid e o 13º do Bolsa Família, pago em 2019 e descontinuado em seguida, como fatores de instabilidade social. As pessoas têm um alívio temporário, para logo em seguida caírem na pobreza. “A armadilha não é só a questão fiscal. Está se gastando mal. Nove meses de auxílio emergencial equivaleram a nove anos de Bolsa Família”, acrescenta Neri.

No curto prazo, até o final de 2022, a situação dos mais pobres pode até melhorar, pontua Menezes Filho. No médio prazo isso é incerto, com a chance de uma recessão a partir de 2023. “A fragilidade da situação fiscal, a falta da credibilidade do aparato criado para impedir gastos eleitoreiros e as incertezas quanto à transição democrática terão consequências sobre a inflação e provocarão aumentos da taxa de juros.”