“Estamos dependendo da importação de energia da Argentina”, afirma José Antônio Feijó de Melo, ex-chefe de Gabinete da Presidência da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), em entrevista à Sputnik Brasil.

Nesta quinta-feira (19), o Amapá chega ao 16º dia de racionamento de energia, que tem previsão de se alongar por pelo menos mais uma semana. Na última terça (17), o estado sofreu o segundo apagão total. A situação no Amapá acendeu um alerta: podemos confiar no sistema elétrico brasileiro?

Segundo Feijó, a maior parte do Brasil não tem motivos para desconfiar do sistema energético – mas as regiões mais afastadas do eixo centro-sul precisam, sim, ficar em alerta.

Feijó, que é também ex-diretor de Operações da Companhia Energética de Pernambuco (CELPE), explica que, “nas últimas semanas estamos dependendo da importação de energia da Argentina” em razão das chuvas escassas no território brasileiro. Isso acontece por conta da baixa pluviosidade atual, que faz com que a vazão dos rios do sudeste e do sul do país esteja “com menos de 20% do que deveria estar”, continua o especialista. A região nordeste, que está com rios mais abastecidos, está atualmente enviando energia para o sul e para o sudeste.

A situação, segundo Feijó, ainda não é motivo para preocupação. No entanto, caso as chuvas continuem escassas, o abastecimento de energia pode se complicar.

“Estamos numa situação que não é desejável. […] É o período que devemos reencher os reservatórios, e não estamos podendo reencher ainda. Se este regime de chuva continuar ruim até março, aí sim haveria um período de apagão, sem dúvida nenhuma. Mas é provável que até dezembro, janeiro, a chuva apareça. […] Temos que torcer para a natureza ajudar”, diz o especialista.

Moradores da capital do Amapá, em Macapá, fazem protestos na noite desta terça-feira, 10, durante apagão que afetou o Estado na última semana. Na foto, ruas são interditadas com fogo em pneus
© FOLHAPRESS / MAKSUEL MARTINS / FOTOARENA Moradores da capital do Amapá, em Macapá, fazem protestos na noite desta terça-feira, 10, durante apagão que afetou o estado.

Redundância: ‘Tem que ter sempre dois’ pontos de alimentação

Além das chuvas, outro fator é essencial para garantir o abastecimento energético: a redundância. Feijó explica que a palavra, largamente utilizada nos projetos de engenharia elétrica, significa ter um plano B: qualquer local “tem que ter sempre dois” pontos de alimentação de energia, por garantia.

“Um só [ponto de alimentação] deve ser capaz de alimentar, mas é necessário ter dois para garantir. Dentro das unidades também é preciso ter a redundância. Um equipamento pode pifar e é preciso ter o reserva”, diz Feijó.

Por esta razão, no centro-sul do país, onde a redundância é garantida, não há risco de apagões por falta de pontos de alimentação. No entanto, a situação é diferente em outras regiões.

“No coração do nosso sistema, no Sudeste, no Nordeste e mesmo no Sul, não há perigo de acontecer o que aconteceu no Amapá. O Amapá é uma ponta, um extremo que foi alimentado por um único caminho e uma única subestação receptora. […] As hidrelétricas de lá não são suficientes para garantir o consumo do estado”, afirma Feijó.

A causa do problema no Amapá é justamente a ausência da redundância. A subestação SE Macapá, que sofreu um incêndio no dia 3 de novembro, deveria ter sido construída com quatro transformadores: três principais, além de um reserva. No entanto, a SE Macapá só contava com três transformadores. Um deles, que era usado como reserva, já não funcionava antes do incêndio. Em consequência, os dois outros transformadores, que estavam em funcionamento, ficaram sobrecarregados – e um deles pegou fogo.

Documentos mostram que o governo federal sabia das complicações na SE Macapá desde 2018. Feijó, autor do livro “O setor elétrico brasileiro: de serviço público a mercadoria: vinte anos de erros (1995-2015)”, ressalta que situações como a da SE Macapá são “resultado de um modelo que não privilegia a segurança, por estar entregue à iniciativa privada, que busca sobretudo o lucro”.

Linha de transmição da energia elétrica
© SPUTNIK / ALEXEY DANICHEV Linha de transmição da energia elétrica

Feijó deixa um alerta para Roraima. Segundo o especialista, a falta de redundância faz com que a situação no estado seja ainda mais delicada que a do Amapá.

“Pior ainda é Roraima, que dependia da Venezuela. Por problemas técnicos e políticos, o estado não recebe mais o abastecimento da Venezuela. Então, eles estão vivendo com energia térmica localizada. Falta o Linhão que iria de Manaus para lá. Começou a obra e foi interrompida”, diz Feijó.

Fonte: Sputnik Brasil