Pátria Latina – © Foto / Centro Polar e Climático – UFRGS / Divulgação
Fabian Falconi e Angélica Fontella para Sputnik
Inicia-se nesta sexta-feira (22) a Expedição Internacional de Circum-Navegação Costeira Antártica, ambiciosa missão científica que tentará se aproximar o máximo das geleiras. À Sputnik, o líder da expedição, Jefferson Cardia Simões, pesquisador do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, conta detalhes da missão.
Saindo nesta tarde de sexta-feira (22), do porto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, a missão durará 60 dias e contará com 61 cientistas, sendo 27 brasileiros, de sete países: Argentina, Brasil, Chile, China, Índia, Peru e Rússia. Os pesquisadores passarão o auge do verão circum-navegando a Antártica, percorrendo mais de 20 mil quilômetros.
Nesse tempo, os cientistas coletarão amostras ao longo de toda a costa do continente para estudos atmosféricos, geofísicos, glaciológicos e oceanográficos do gelo e neve antárticos e das águas e ares do entorno.
A expedição também realizará uma pesquisa inédita do comportamento das massas de gelo, diante do aquecimento da atmosfera e do oceano, além de verificar os sinais de poluição no continente advindo da circulação oceânica.
Como será a expedição?
“Olha, se tenta trabalhar o máximo possível nos dias de bom tempo”, afirma Cardia Simões à Sputnik Brasil. “Dias de mau tempo dificultam muito o trabalho.”
Nos dias normais, de boas condições, estão previstas 12 horas de trabalho em turnos de diferentes grupos, revela Cardia. “Principalmente porque há competição por equipamentos e tempo de amostragem.
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“Estações oceanográficas param, um navio tem que lançar CDT [equipamento que coleta informações de temperatura, pressão, condutividade e amostras de água em diferentes profundidades] ou outras sondas, o material é recolhido, subamostrado…”, detalha o especialista.
As únicas equipes que não precisarão trabalhar em turnos são “o pessoal da atmosfera”, que “largam suas sondas, seus balões” para colher dados, e aqueles que estudam a superfície do oceano, brinca o pesquisador. “Mas o importante é que todos os dados têm que ser divididos. Tem que ser um acesso aberto entre nós, entre as nossas equipes. Essa é que é a ideia básica. Não é um uso privado de grupo X ou grupo Y.”
As pesquisas na Antártica são regidas e possibilitadas a partir do Sistema do Tratado da Antártica (STA), que exige cooperação internacional e compartilhamento universal dos dados obtidos. Mais do que um acordo científico, o STA regulamentou toda as relações internacionais no continente gelado, paralisando as reivindicações territoriais e proibindo novos requerimentos. “É o conceito da diplomacia da ciência, cada vez mais essencial na situação geopolítica atual.”
Missão será pioneira
Circum-navegar a Antártica em si não é novidade. Missões do tipo são realizadas há mais de dois séculos. No entanto, cada vez mais tenta-se se aproximar da costa, e esse será o pioneirismo da missão liderada pelo Brasil.
Participam da equipe brasileira pesquisadores de 11 universidades vinculadas ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a projetos de pesquisa do Programa Antártico Brasileiro (Proantar).
Em especial, a equipe de pesquisadores brasileiros realizará atividades em terra, além de pesquisas a partir do navio. “O grupo de glaciologia da federal do Rio Grande do Sul vai desembarcar com helicópteros no meio da geleira.”
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“Ficaremos de dez a 12 horas em lugares no meio da geleira fazendo perfurações de gelo e neve”, conta Cardia. A ideia é recolher amostras no estado sólido para serem enviadas ao Brasil.
Outro grupo vai desembarcar nas áreas não cobertas de gelo e neve da Antártica, que, detalha o líder da expedição, representa menos de 0,5% do território antártico. “Então esses lugares são muito raros. Por isso, é muito interessante fazer amostragem desse solo congelado, o permafrost.”
A ideia, diz o pesquisador, é coletar amostras de líquens e musgos e procurar por microrganismos extremófilos, organismos especialmente adaptados para sobreviver nessas condições extremas como a temperatura, a falta de água no estado líquido e a sazonalidade da luz.
Ao ser liderada pelo Brasil, a ousada e inédita expedição destaca a posição do Brasil como referência mundial nas pesquisas polares e no enfrentamento às mudanças climáticas. Algo que só pode acontecer a partir da cooperação científica do passado, como a que formou Jefferson Cardia Simões, que hoje coordena a missão.
“Há 40 anos eu fui o primeiro brasileiro enviado para o exterior, no Instituto de Pesquisas Polares da Universidade de Cambridge, para estudar glaciologia. Se não tivesse essa cooperação internacional, seria muito mais difícil conseguir isso.”
Navio russo é essencial
Para realizar suas pesquisas, os cientistas contarão com o navio laboratório russo quebra-gelo Akademik Tryoshnikov, que chegou em Rio Grande na quarta-feira (20). Pertencente ao Instituto de Pesquisa Ártica e Antártica de São Petersburgo, o Akademik Tryoshnikov é um dos símbolos do espírito de cooperação científica da missão.
“É um dos cinco quebra-gelos dedicados à ciência que existem no mundo”, diz Cardia.
Dessa forma, a embarcação é essencial para a realização da missão, uma vez que “o Brasil não possui navios quebra-gelo”, detalha o pesquisador. “Temos navios resistentes a gelo com casco reforçado para navegar em mar que tem pedaços congelados, mas cujos canais estão abertos.”
“E com esse navio [Akademik Tryoshnikov] nós vamos ter que quebrar gelo de 1,5 metro.”
O valor do navio não está somente na sua infraestrutura exterior, conta Simões. “Tem mais de uma dezena de laboratórios dedicados às diferentes áreas de conhecimento. O que quiser: oceanografia, glaciologia, biologia marinha, ciências da atmosfera, e assim por diante.”
Além disso, o quebra-gelo conta com sistemas de comunicação e transferências de dados que permitem acesso à Internet durante toda a expedição, facilitando a comunicação e transmissão de dados em tempo real.
Mais importante do que a logística, Cardia revela que o grande benefício da parceria com os demais países é o intercâmbio proveniente da cooperação científica. “A capacidade de juntar diferentes culturas, diferentes mentes e fazer uma interpretação dos dados.” “Ter uma interpretação multicultural dá um entendimento maior do conhecimento científico.”