Jussara Ferreira

O espaço conhecido como campo de Tudão em Vila de Abrantes,  vem passando por discussões que dividem opiniões na região, por um lado, aqueles que desejam que o campo passe por reformas e que suposta área de lazer seja construída; por outro lado, adeptos a cultura afro religiosa sentem-se afrontados pela destituição do patrimônio cultural existente naquela região.

Segundo informações, a prefeitura local pretende oferecer à comunidade a construção do campo de futebol gramado, quadra poliesportiva, vestiário, quiosques, parque infantil, além de outros equipamentos de lazer, sendo que tais reformas ocorrerão no campo conhecido como Tudão, nas quais ficará de responsabilidade da secretaria de infraestrutura (SEINFRA), gerir e fiscalizar os serviços.

No entanto, o referido campo de Tudão faz parte de um espaço ambiental cultural religioso, e para seus adeptos, violenta os preceitos étnicos e culturais, diante da violência, racismo religioso e ambiental em Vilas de Abrantes.

Com isso, a Associação Cultural e Inclusão Social (ACIS) que é uma organização composta por agentes culturais, fomentadores da educação cultural, ambiental e economia colaborativa, localizada em Vila de Abrantes, por meio de Nota Pública denunciou a afronta diante dos direitos culturais.

A referida nota aponta a visibilidade do suposto problema, e pressionam as autoridades para garantir respeito e proteção aos direitos de liberdade religiosa e direitos das comunidades tradicionais e periféricas da região, diante dos recursos naturais das dunas de Abrantes.

A referida ONG, atua desde o ano de 2014 e tem como objetivo atuar em questões relacionadas à preservação do meio ambiente (Parque Dunas de Abrantes em Camaçari/BA), mesclando a pauta racial defendendo direitos civis e sociais em comunidades negras periféricas e tradicionais.

A organização procura sensibilizar a opinião pública através de ações na comunidade, campanhas e outros meios. É representada pelo Presidente Marcos Anunciação, a Vice Presidenta Gilda Souza, Secretária Geral Lúcia Silva e pelo Mestre de capoeira The Flash.

Abaixo a descrição da referida Nota Pública.

NOTA PÚBLICA – ACIS

A presente Nota Pública faz-se necessária e de relevância atual, com o intuito de informar ao público em geral sobre os ataques ocorridos, no Distrito de Vilas de Abrantes, à patrimônios da comunidade tradicional que vive no Distrito. As ações perpetradas violam os direitos constitucionais fundamentais dos moradores e moradoras de Abrantes, Camaçari, Bahia. 

De início, destaca-se que A ACIS – Associação Cultural e Inclusão Social -, Pessoa Jurídica de Direito Privado, sem fins lucrativos, atua em Abrantes desde a sua criação, representando interesse coletivo da comunidade tradicional neste Distrito de Camçari/BA, especialmente, no que tange ao resgate cultural, preservação ambiental e fortalecimento da autonomia econômica e social colaborativa. Está qualificada, portanto, em características do processo necessário de construção e consolidação da auto identificação comunitária, estando ciente do entrelaçamento entre as identidades cultural e territorial.

Assim, historicamente, a ACIS atua em busca da preservação do meio ambiente, notadamente, no que diz respeito ao Parque Municipal Dunas de Abrantes, Área de Proteção Ambiental Joanes-Ipitanga ,  nascente do buraquinho,  chamada de Fonte das Lavadeiras, bem como do patrimônio cultural e religioso, Terreiro de Matriz Africana Ile Axé Omim Toloya e Paróquia do Divino Espírito Santo da Matriz de Abrantes. É papel da Associação Cultural e Inclusão Social, então, proteger esses espaços tradicionais que devem ser preservados, conforme determina a Constituição Federal nos artigos 215, § 1º, 216, II e 225.

Isto posto, impende necessário ressaltar que o Parque Municipal das Dunas de Abrantes é o maior objeto de especulação do poder econômico imobiliário no Distrito de Vilas de Abrantes/Camaçari. Tal situação contrasta com a importância desse ecossistema para o patrimônio ambiental brasileiro, de maneira que foi objeto de estudo minucioso sobre o espaço.

Nesse contexto, é fato grave a recente edificação de estádio de futebol e fonte artificial promovida pela Prefeitura de Camaçari, estando ausentes a identificação de construtora da obra e do responsável técnico. Mais ainda, não houve consulta prévia, nem foi realizado Estudo de Impacto Ambiental na área, a saber a possibilidade de realização de intervenção humana.

A edificação está sendo realizada em área localizada entre as dunas, Fonte do Buraquinho e casas da comunidade, local que dá acesso direto ao Parque das Dunas, ecossistema misto caracterizado por áreas de proteção ambiental e de preservação permanente – APA e APP, respectivamente. Atualmente, a construção se encontra em fase de terraplanagem, o campo que dá acesso à fonte sagrada do Buraquinho foi cercado, com maquinários e funcionários trabalhando, constando do planejamento da obra além de estádio, quadra e espaço de show, com fonte artificial, tudo avaliado na quantia exorbitante

https://www.camacarinoticias.com.br/noticias/18/72139,assinatura-da-ordem-de-servico-da-requalificacao-do-tudao-acontece-quinta.html

 de R$ 3.900.000,00 (três milhões e novecentos mil reais). 

Essa obra, portanto, materializa mais uma forma de exclusão; há, pois, a chamada injustiça socioambiental, de cunho discriminatório contra a população mais vulnerável e invisibilizada pelo Poder Público. É beneficiado, novamente, como em toda história de opressão, o capitalismo empresarial branco.

Com efeito, a luta pela preservação dos espaços ambientais, símbolos de cultura e ancestralidade à população tradicional do Distrito de Vilas de Abrantes, acontece faz tempo. Os especuladores imobiliários, utilizando-se do Poder Público, atacaram de forma violenta e criminosa o Presidente da ACIS – Senhor Marcos Anunciação – a ser mais um episódio de racismo e opressão contra aqueles que se determinam proteger a cultura tradicional em Abrantes. Não podemos, contudo, em face de qualquer que seja o ataque, nos calarmos. 

A ACIS, portanto, em fundamental atuação, acompanhada pelo CDCN, UNEGRO, GAMBÁ, quilombos, Terreiros, coletivos internacionais de capoeira e outros parceiros, ingressou com Representação, junto ao Ministério Público Federal, para apuração de racismo ambiental em área mista de proteção ambiental e de preservação permanente, haja vista a inconstitucional e ilegal edificação de estádio de futebol e fonte artificial promovida pela Prefeitura Municipal.

O CDCN, inclusive, com destacada participação, em face dos direitos humanos constantemente violados no Distrito de Abrantes, bem como em razão da ilegal edificação, já acionou a Organização dos Estados Americanos – OEA – organização essa que promove a democracia e a defesa dos direitos humanos.

CDCN- Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra. 

 UNEGRO-União de Negros pela Igualdade.

GAMBA- Grupo Ambientalista da Bahia.

Foram requeridas, destarte, medidas legais a serem tomadas pelo Órgão Ministerial Federal, com o fito de salvaguardar direitos fundamentais da comunidade tradicional de Abrantes, de natureza ambiental, religiosa, social e histórica. 

Assim, os pedidos feitos junto ao MPF foram para que:

1) sejam suspensos os incentivos e autorizações conferidas pelo Município de Camaçari à empresa, com identidade desconhecida, responsável pela obra pública em andamento, paralisando-a imediatamente, sob pena de comprometer, em definitivo, o resultado útil de qualquer medida judicial porventura ajuizada por esse Parquet;

2) haja remoção emergencial, enquanto suspensa a obra, dos rejeitos e lixos depositados na área, de forma a minorar os danos ambientais em curso, bem como a recuperação das áreas originais destruídas de forma a garantir a continuidade dos trabalhos e subsistência dos profissionais informais que nelas laboram, a exemplo das lavadeiras;

3) seja reconhecida, pelo Poder Público Municipal de Camaçari, a natureza tradicional da comunidade, como agente protagonista da preservação/conservação e utilização sustentável do ecossistema em baila, Parque das Dunas e; 

4) sejam garantidos o procedimentos de consulta previa à comunidade, estimulando-se a gestão compartilhada e instituindo-se programas específicos apoiadores da população tradicional, principalmente no que tange à sua identidade cultural, religiosa, ambiental e histórica, assegurando-se o livre exercício dos seus direitos fundamentais, com a exemplar punição dos atos criminosos praticados contra a comunidade, a associação ACIS e seu presidente.

Por fim, convocamos a população do Distrito de Vilas de Abrantes, Camaçari, Bahia, assim como toda e qualquer pessoa física ou jurídica que se interesse pela causa e acredite na defesa da democracia, dos direitos humanos, dos direitos fundamentais e constitucionais das populações tradicionais, a participar desta luta. 

O intento é a construção de um trabalho coletivo e colaborativo, buscando-se. garantir direitos a todos, de forma a contemplar o princípio da dignidade humana, fundamento axiológico sobre o qual está erigido o Estado Democrático de Direito.

 

Associação Cultural e Inclusão Social-ACIS

CNPJ 30.739.457/0001-83

Insta@acisabrantes

 

 

Camaçari, BA 24 de Abril de 2020