O tratamento dado pelo governo da China à minoria muçulmana uigur constitui genocídio e crimes contra a humanidade, concluiu nesta quinta-feira (09/12) um tribunal independente e não oficial estabelecido para apurar as acusações de abusos de direitos humanos contra os uigures.

Um grupo de nove advogados e especialistas em direitos humanos publicou suas conclusões em um relatório após ouvirem alegações de tortura, estupro e tratamento desumano em duas audiências para colher evidências realizadas neste ano.

O chamado “Tribunal Uigur” foi estabelecido a pedido da organização World Uyghur Congress (Congresso mundial de uigures), o maior grupo representante de uigures exilados, que pressiona a comunidade internacional a agir contra a China pelos alegados abusos.

Em um relatório de 63 páginas divulgado nesta quinta-feira, o painel de especialistas afirmou não haver evidências de assassinatos em massa contra uigures – fator que tradicionalmente define o crime de genocídio sob a lei internacional.

Mas, sem sombra de dúvidas, o Partido Comunista da China (PCC) agiu “com a intenção de destruir uma parte significativa” do povo uigur na província de Xinjiang, no noroeste chinês, e por esse motivo “cometeu genocídio” da minoria muçulmana, disse o grupo.

Segundo o tribunal, o PCC pôs em prática “um sistema abrangente de medidas para ‘otimizar’ a população de Xinjiang” por meio da redução da taxa de natalidade de uigures, incluindo a prática de esterilização forçada, controle de natalidade e aborto.

“A população de uigures nas gerações futuras será menor do que seria sem essas políticas. Isso resultará na destruição parcial do povo uigur”, diz o relatório. “Em concordância com o uso da palavra ‘destruir’ pela Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, isso corresponde a um ato proibido exigido para a prova de genocídio.”

O painel concluiu que centenas de milhares de uigures – e possivelmente mais de um milhão – foram presos sem justa causa e tratados com crueldade e desumanidade em centros de detenção.

Nesses locais, a tortura ocorreu “por parte de ou por instigação de ou com o consentimento de funcionários públicos ou de outras pessoas agindo em funções oficiais pela República Popular da China e/ou pelo Partido Comunista da China”, acrescenta o texto.

O relatório também menciona denúncias de prisão, transferência forçada, desaparecimento forçado, estupro e violência sexual, perseguição e outros atos desumanos.

“O tribunal está convencido de que um plano abrangente para a promulgação de políticas múltiplas mas interligadas visando os uigures foi formulado pelo governo chinês”, declarou, acrescentando que o presidente da China, Xi Jinping, e outros altos funcionários “têm a responsabilidade primária”.

China rechaça acusações

O governo em Pequim, por sua vez, rechaçou as conclusões do relatório e acusou a organização World Uyghur Congress de “pagar para mentirosos, comprar boatos e dar falso testemunho na tentativa de inventar uma ferramenta política para difamar a China”.

“Esse chamado tribunal não tem qualquer qualificação legal ou credibilidade”, acrescentou o Ministério das Relações Exteriores chinês, chamando as audiências de “farsa política”.

A China chegou a impor sanções ao presidente do Tribunal Uigur, o proeminente advogado britânico Geoffrey Nice, que processou o ex-líder sérvio Slobodan Milosevic por crimes de guerra no tribunal das Nações Unidas sediado em Haia, na Holanda.

Nice e os demais membros do tribunal independente reconheceram que os depoimentos colhidos vieram de pessoas que se opõem ao governo chinês e ao Partido Comunista. Contudo, ressaltaram que também examinaram milhares de páginas de evidências documentais de pesquisadores independentes e organizações de direitos humanos para chegar às suas conclusões.

Relações diplomáticas estremecidas

A situação dos uigures contribuiu para piorar as relações diplomáticas entre as potências ocidentais e Pequim.

Os Estados Unidos, que consideram como genocídio o tratamento dado pela China à minoria muçulmana, anunciaram um boicote diplomático aos Jogos Olímpicos de Inverno de 2022 em Pequim, juntamente com outras nações do Ocidente.

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, afirmou na quarta-feira que o Reino Unido se juntaria ao boicote – um passo que deve estremecer ainda mais os laços entre os dois países, após as repetidas críticas de Londres à postura autoritária de Pequim em relação a Hong Kong.

Mas o governo britânico tem resistido aos apelos para declarar o tratamento da China aos uigures como genocídio, insistindo que essa é uma questão a ser decidida por um tribunal.

O Tribunal Uigur não tem poderes de sanção ou de execução e afirma que cabe aos Estados e outros órgãos considerar suas conclusões e decidir se devem agir sobre elas.

Fonte: Deutsche Welle (DW)