Por Redação – Foto Divulgação

Curta temporada vai de 05 a 08 de outubro e traz em cena Antonio Fabio e Saulus Castro sob a direção de Rino Carvalho 

Um rei diz: “Sua Alteza! Minhas saudações”. O outro rei: “Meus cumprimentos, Majestade!”. Segue-se o diálogo. “Encontro inusitado o nosso”. “Diria mesmo impensável”. “Chegamos ao mesmo tempo?”. “Praticamente. Ao mesmo tempo”. Macbeth e Ricardo III dizem: “É exatamente o que me amedronta: nossas terríveis coincidências”. Este é um breve diálogo da nova montagem do Coletivo DUO, o espetáculo MacbethRicardoIII – Um Tratado de Vilania, que estreia em curta temporada de 04 a 08 de setembro, no Teatro Martim Gonçalves – de quarta a sábado, duas sessões diárias às 16h e 20h, e domingo, 16h e 19h.

Em cena, os atores Saulus Castro e Antonio Fábio promovem o encontro fictício de Macbeth e Ricardo III, personagens shakespearianas obscuras e com sede de poder. O projeto, que promoveu uma semana de seminários que buscou interseccionar a obra de Shakespeare com o tempo-espaço espelho do contemporâneo, foi aprovado no Prêmio Funarte de Estímulo ao Teatro 2022, do Fundo Nacional de Artes (Funarte), através do Ministério da Cultura.

Encenação

O projeto MacbethRicardoIII nasceu em 2019, em que atuantes expõem desejos artísticos e o comungar reverbera na obra a estrear. Nesse período, o Brasil e alguns tantos países do mundo vivenciam projetos políticos que “são coisas do passado”, vivenciados em um tempo contemporâneo que já não condiz com o que eles propõem – hierarquização dos sujeitos e a manutenção das estruturas opressoras de poder.

“Após as eleições de 2018 o país mostrou sua cara e a ideia de nação pareceu frágil para nós. Que nação? Sob quais interesses este imaginário é criado, inventado? Quem conduz esta história? Toda história social é uma história de conquista e perpetuação do poder; seja na ilha britânica ou em um país continental como o Brasil, com diversos interesses e poderes em jogo. O Estado de direito é um Estado de violência; nosso dia-a-dia é um constante Estado de exceção. Como nos acostumamos a isto? É neste sentido que, por meio de dois dos personagens mais icônicos de Shakespeare, Macbeth e Ricardo III, propomos este encontro de poderes para expor nuances daquilo que rege uma sociedade. Sob quais argumentos eles atuam?”, explica Saulus Castro.

O novo espetáculo do DUO coloca duas das personagens mais sanguinárias e vis da obra de Shakespeare num encontro fictício, proposto pela dramaturgia inédita de Paulo Atto, em que elas apresentam suas estratégias para a conquista e manutenção de seus poderes. “Shakespeare é uma mola propulsora para abordarmos nossa realidade e como precisamos ficar atentos no sentido de que violências históricas não sejam o normal”, enfatiza Castro.

Duas dramaturgias como ponto de partida. Macbeth assassina seu rei em sua própria casa, depois seus amigos e tudo que ameaça sua ambição. Ricardo III trama impronunciáveis intrigas para ascender ao trono. Quando estes dois poderes se encontram, o que norteia suas ações? Macbeth e Ricardo III são dois improváveis reis que tudo destroem, violentam, corrompem para atingir seus objetivos: o poder. Os ideais são, aparentemente, diferentes, os meios coincidem.

“Se não chegam a ser um, tornam-se os espelhos um do outro. É um tempo de muitos Macbeths e Ricardos, com indumentárias e discursos aparentemente diferentes, que no fundo possuem terríveis coincidências. Precisamos de equilíbrio e consenso. E é a partir deste lugar que pegamos a obra de Shakespeare como ponto de partida. Ele é um autor atemporal que nos comunica em qualquer época, em qualquer contexto”, contextualiza Paulo Atto.

Em MacbethRicardoIII, personagens se borram e seus discursos tomam conta dos corredores do labirinto que percorrem. “Esse espelho evidencia os mecanismos da manutenção do poder, em qualquer tempo. Ao convidarmos Paulo Atto para criar uma dramaturgia que junta essas duas personagens, queremos evidenciar os percursos políticos de alguns governantes, que são de pura vilania para atingir suas ambições. Parece-me, este é o tempo em que vivemos. Não importam os meios na concretização de seus objetivos. Eles seguem. Se há ossos pelo caminho, eles acreditam que estes estão sorrindo”, reforça Castro.

O cenário atemporal de MacbethRicardoIII é um percurso em labirinto cheio de caveiras, em que estas duas figuras que parecem diferir, revelam-se mais nas suas coincidências. O labirinto que deveria desorienta-los, leva ao reconhecimento. Dois tiranos cujo ideal de vida é a pulsão da morte. De Quem?

“No Isolamento deste cenário, eles não se escondem um do outro. Revelam seus métodos e ideais sem nenhum pudor, e nós, a plateia, assistimos seus discursos e gestos ante a incredulidade e o espanto, porque no fundo sabemos que eles existem e estão por aí, em todos os lugares, em maior ou menor grau, eles representam as ruínas humanas do nosso tempo”, antecipa o dramaturgo Paulo Atto.

A encenação proposta por Rino Carvalho coloca as personagens na infinitude branca de um labirinto, que “nos reporta a um lugar ermo e atemporal,  intensifica a assepsia clínica, patológica da dimensão no aspecto frio e sórdido de um sistema e das personagens”. Se há vilania, há mortes. “O vermelho que macula essa inverdade asséptica. O rastro e a herança do resultado inexorável da Violência e Vilania que denuncia e deflagra as conquistas  sangrentas  para a obtenção do Poder”.

Rino Carvalho explica que a concepção e transposição cênica vai na contramão da manutenção desse suposto Poder. “Ao se perceberem no eco deste labirinto, as personagens se deparam presas numa espiral, numa suspensão do tempo-espaço, enclausuradas em si mesmas. Nessa solidão, ao tentar encontrar a saída, vagueiam pelo espaço, como fantasmas, expondo os ecos de suas habilidades e práticas de Vilania num confronto ideológico”.

Para acentuar a proposta dramatúrgica, o diretor utiliza ainda camadas narrativas projetadas em imagens. “É uma interferência, um borrão aleatório e estético na transversalidade do recorte das cenas. As imagens projetadas buscam sugerir ações que ecoam no tempo-espaço e que vão reverberando nas personagens”.

O projeto

Os labirintos da vida são permeados por atalhos que nos levam a encontros – alguns inesperados, outros desejosos. Das andanças pelos corredores dos labirintos teatrais soteropolitanos, os atores Saulus Castro e Antonio Fábio se encontram e desde então já são 13 anos de amizade e troca artística. “Nos conhecemos no mesmo ano em que foi criado o DUO, estas sincronias me interessam”, conta Castro, que fundou o coletivo em 2010.

Somaram-se em cena. Ambos atuantes, em “A história de amor de Romeu e Julieta”. Um ator e outro diretor – Antonio Fabio dirigiu Saulus Castro em “A Califa da rua do sabão” e fez assistência no solo “Memórias de Fogo”. Já Saulus dirigiu Antonio Fábio em “Arraial”, espetáculo do Coletivo DUO. E pelos mergulhos em labirintos dramatúrgicos, adentram nas águas de Shakespeare, de onde nasce o projeto MacbethRicardoIII – Um Tratado de Vilania, em 2019.