Em entrevista à Sputnik Brasil, Helena Margarido Moreira, professora de relações internacionais e pesquisadora de política ambiental global, analisa os motivos que deixaram o Brasil de fora da Cúpula do Clima das Nações Unidas que acontece neste sábado (12).

Nesta quinta-feira (10) a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou a lista de países participantes da Cúpula do Clima que será realizada neste sábado (12) – e o Brasil ficou de fora. O Itamaraty agora corre para buscar uma solução para conseguir participar do evento.

Para a especialista Helena Margarido Moreira, professora de relações internacionais e pesquisadora de política ambiental global, é provável que o Brasil permaneça de fora da lista de participantes.

Ela explica que a tentativa do Itamaraty será convencer os demais países que o Brasil adotou metas ambientais ambiciosas – quando, na verdade, não são.

“Este evento é bem específico para países que mostram uma ambição maior de suas metas climáticas, e o Brasil não fez isso quando submeteu nesta semana a revisão de sua NDC [Contribuição Nacional Determinada, na sigla em inglês]”, explica Moreira.

No cálculo do governo, Brasil aumenta a quantidade de gases poluentes que pode ser emitida

A NDC é um documento que revisa as medidas adotadas nacionalmente no Acordo de Paris, em 2015. O Ministério das Relações Exteriores divulgou o NDC mais recente nesta quarta-feira (9), com dois pontos principais – e, segundo Moreira, os dois apresentam falhas.

No primeiro deles, o governo federal “reafirma o compromisso de redução das emissões líquidas totais de gases de efeito estufa em 37% em 2025, e assume oficialmente o compromisso de reduzir em 43% as emissões brasileiras até 2030”.

Apesar de parecer uma meta promissora, a especialista explica, no entanto, que a linha de base que é utilizada para fazer os cálculos são as emissões de gases poluentes no ano de 2005. Esta linha de base está em constante atualização e foi recentemente recalculada.

“A cada inventário nacional que o Brasil publica, o país aprimora as estimativas e recalcula o que foi emitido em 2005. No novo cálculo, o total de emissões [em 2005] aumentou de 2,1 bilhões de gás carbônico para 2,8 bilhões”, diz Moreira.

Desta forma, mantendo-se a porcentagem estabelecida em 2015, mas aumentando a linha de base para o cálculo, o resultado final é que o Brasil se permite emitir uma quantidade maior de gases poluentes.

“O Brasil pode chegar a 2030 emitindo 400 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente a mais do que o Brasil havia indicado em 2015. […] Quando se faz o cálculo matemático, se percebe que na verdade o Brasil é talvez o único país do mundo que aumenta a quantidade de gases que pode ser emitida”, avalia Moreira.

Vista aérea de queimada na Floresta Amazônia, vista à partir da cidade de Porto Velho, capital de Rondônia
© FOLHAPRESS / ANDRÉ CRAN Vista aérea de queimada na Floresta Amazônia, vista à partir da cidade de Porto Velho, capital de Rondônia

Brasil condiciona políticas ambientais a financiamento global

O segundo ponto principal da NDC brasileira afirma “o objetivo indicativo de atingirmos a neutralidade climática – ou seja, emissões líquidas nulas – em 2060”. Para Moreira, a primeira falha está em estabelecer “uma indicação, e não uma meta”. Além disso, ela explica que o Brasil faz essa indicação pontuando que pode atingir o objetivo dez anos antes (ou seja, em 2050) caso receba o financiamento de “pelo menos 10 bilhões de dólares ao ano”, o equivalente a mais de R$ 50 bilhões. Esta condição não é vista com bons olhos pela comunidade internacional.

“É mal vista porque traz uma linguagem pouco diplomática, ou pouco comum em documentos diplomáticos, que é condicionar o alcance da neutralidade ao recebimento de um financiamento internacional”, avalia Moreira.

Como base de comparação, Moreira lembra que o Acordo de Paris prevê a soma de 100 bilhões de dólares [mais de R$ 500 bilhões] ao ano para todos os países em desenvolvimento – o Brasil, sozinho, indicou querer receber 10% deste valor.

Considerando a recente postura diplomática do Brasil, em especial em relação a questões ambientais, Moreira acredita que o país tende a “se isolar cada vez mais” da comunidade internacional.

A professora não acredita que as constantes críticas e pressões internacionais sobre o Brasil serão reduzidas nos próximos anos, já que o governo federal “não parece mostrar sinais de tentar melhorar” sua política ambiental.

“O Brasil tem se centrado muito numa defesa do princípio da soberania sobre suas florestas, coisa que não está sob questionamento na comunidade internacional. […] A questão e a pressão vêm sobre as políticas ambientais, que não têm sido implementadas da forma devida”, diz Moreira.

Mata queimada por um incêndio florestal que atingiu a fazenda Santa Tereza, na região da Serra do Amolar, no Pantanal do Mato Grosso do Sul
© FOLHAPRESS / LALO DE ALMEIDA Mata queimada por um incêndio florestal que atingiu a fazenda Santa Tereza, na região da Serra do Amolar, no Pantanal do Mato Grosso do Sul

No dia 30 de novembro, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) divulgou que o desmatamento da Amazônia apresentou uma alta de 9,5% no último ano. Segundo o Observatório do Clima, levando-se em conta a média dos dez anos anteriores à posse de Jair Bolsonaro, o desmatamento cresceu 70%.

Ao comentar estes números, o vice-presidente Hamilton Mourão minimizou o aumento do desmatamento da Amazônia e disse que a porcentagem ‘podia ser pior ainda’.

 

Fonte: Sputnik Brasil