Em 7 de outubro de 2001, os Estados Unidos invadiram o Afeganistão para se vingar dos ataques terroristas de 11 de setembro orquestrados pela Al Qaeda. O objetivo principal da invasão americana era caçar Osama bin Laden e punir o Talibã por fornecer um porto seguro aos líderes do grupo terrorista.

Desmantelar o regime talibã não exigiu muito esforço por parte dos EUA. Bin Laden, no entanto, conseguiu escapar. O ex-chefe da Al Qaeda acabaria sendo morto em 2011 por tropas americanas na cidade de Abbottabad, no Paquistão.

Em grande parte, a invasão foi um sucesso – embora os combatentes do Talibã e da Al Qaeda tenham permanecido ariscos, conseguindo se reagrupar poucos anos após o governo de Hamid Karzai, apoiado pelo Ocidente, assumir o poder em Cabul.

Em 2005, o Talibã já havia recuperado grande parte do poder perdido e lançado um movimento violento para desafiar a presença da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) no país.

No entanto, para muitos afegãos, a invasão americana e o subsequente colapso do regime talibã trouxeram uma mudança positiva. Os eventos deram início a uma nova era, com muitos passando a ver o futuro de seu país de forma positiva.

O que deu certo?

A invasão liderada pelos EUA impulsionou a economia do Afeganistão. O sistema de saúde, a educação e a qualidade de vida em geral nas grandes cidades melhoraram substancialmente. O trabalho de reconstrução e desenvolvimento começou, e novos empregos foram criados para o povo afegão.

“Os primeiros quatro anos após a invasão americana foram relativamente bons”, comentou à DW Ahmad Wali, um afegão de 30 anos da cidade de Ghazni.

Nematullah Tanin, jornalista baseado em Cabul, concorda: “Pudemos escrever nossa própria Constituição e tínhamos uma democracia em funcionamento. Essas continuam sendo nossas maiores conquistas.”

Arezo Askarzada, professora de uma universidade de Cabul, conta que vivia como refugiada no Paquistão antes de as forças da Otan invadirem o Afeganistão. Após a invasão, ela e sua família voltaram ao país natal em busca de um futuro melhor.

“Tivemos que reconstruir tudo. Apesar das dificuldades, os últimos 20 anos foram os melhores da minha vida. Pude estudar e depois comecei a ensinar outras pessoas, inclusive mulheres.”

Homem fala com mulheres que carregam faixa, todos de trajes islâmicos. Dedos cobrem parte da tela
Queda do Talibã propiciou direitos que mulheres agora lutam para manter

O que deu errado?

O otimismo não durou muito. Em 2003, os Estados Unidos se envolveram na guerra do Iraque, na esperança de que o governo Karzai, com o apoio das forças ocidentais, sufocasse uma insurgência nascente e colocasse o Afeganistão no caminho do progresso.

“Em momentos críticos da luta pelo Afeganistão, o governo [George W.] Bush desviou os escassos recursos de inteligência e reconstrução para o Iraque, inclusive equipes de elite da CIA e unidades das Forças Especiais envolvidas na caça aos terroristas”, escreveu o jornal The New York Times em agosto de 2007.

“Por muito tempo, críticos do presidente Bush afirmaram que a guerra do Iraque reduziu os esforços dos Estados Unidos no Afeganistão, o que o governo negava, mas um exame de como a política se desenrolou dentro do governo revela uma profunda divisão sobre como proceder no Afeganistão e uma série de decisões que às vezes pareciam relegá-lo a um segundo plano, à medida que o Iraque se entrava em colapso”, acrescentou o Times.

De 2005 em diante, as autoridades americanas continuaram a acusar o Paquistão de fornecer asilo para militantes do Talibã. Mas Washington nunca colocou pressão suficiente sobre Islamabad para lidar com a questão.

O ressurgimento do Talibã na segunda metade dos anos 2000 viu um aumento da violência no país. Ataques suicidas com bombas se tornaram rotina, e os civis pagaram um preço alto.

“Tudo mudou para pior. Havia ataques diários e confrontos armados em nossa região”, recorda Ahmad Wali. “Muita gente que eu conhecia havia perdido a vida. Perdemos nossas casas e tudo o que possuíamos.”

Políticas fracassadas

Akram Arife, professor da Universidade de Cabul, acredita que os EUA estavam fadados ao fracasso: “Washington deveria saber que não havia solução militar para o conflito afegão. Os EUA deveriam ter procurado outras soluções depois da invasão.”

Para o especialista, os EUA se concentraram demais em Cabul e acabaram ignorando outras partes do país. “A maioria dos políticos apoiados por Washington não tinha uma conexão profunda com os afegãos. Sua compreensão da sociedade afegã era falha, certamente insuficiente para dirigir o governo”, critica o docente, acrescentando que as mudanças não foram orgânicas e, portanto, não duraram depois que as forças americanas deixaram o país.

Um país diferente

O Talibã assumiu o controle de Cabul em 15 de agosto, sem enfrentar qualquer resistência das forças do presidente Ashraf Ghani. Seu retorno ao poder levantou muitas questões sobre as duas décadas de presença militar americana. Por exemplo, o que os EUA alcançaram no Afeganistão, depois de gastar tanto tempo e dinheiro no país devastado pela guerra?

“Perdemos tudo o que havíamos construído nos últimos 20 anos, depois que o Talibã voltou ao poder”, conta a professora Askarzada. “Estou de volta ao mesmo lugar onde estava 20 anos atrás. Não posso mais trabalhar.”

Embora o retorno do Talibã seja um revés para a intervenção ocidental no Afeganistão, do ponto de vista afegão a invasão dos EUA não foi um fracasso total.

Especialistas dizem que a sociedade afegã mudou tremendamente desde a invasão americana – tanto que o Talibã também sente a necessidade de apresentar uma face “benigna” e “moderada” a seus compatriotas e à comunidade internacional. Após a tomada de Cabul, o grupo militante prometeu formar um governo inclusivo e disse que o novo regime será qualitativamente diferente do estabelecido antes da invasão dos EUA.

A classe média se expandiu no país, e o número de cidadãos instruídos e empreendedores também cresceu nas últimas duas décadas. Diferentes grupos – incluindo mulheres, acadêmicos e cidadãos comuns – estão protestando contra o governo do Talibã em diferentes regiões.

Definitivamente, o Talibã se encontra num país diferente.

Fonte: Deutsche Welle (DW)