José Carlos Teixeira*

 “Mamãe mandou eu insistir

A vida persiste dizendo

Não existe estrela tamanha
Essa menina é cheia de manha”

(Cheia de Manha, do grupo

Móveis Coloniais de Acaju)

Ela já vinha nos encantando desde o final dos anos 1960, quando trocou a TV Excelsior pela Globo, onde estreou como a Andréa, personagem central da novela Véu de Noiva, e logo em seguida viveu a doce Ritinha de Irmãos Coragem – esta, um clássico da teledramaturgia brasileira.

Mas foi em 1971, como a órfã Patrícia de Minha Doce Namorada, que ela ganhou a alcunha de “Namoradinha do Brasil” que a acompanhou até bem pouco tempo, consolidado em razão das inúmeras doces e meigas mocinhas que viveu sequencialmente nos folhetins globais.

É verdade que ela interpretou personagens mais vigorosos, distantes da meiguice daquelas primeiras mocinhas, a exemplo de Nina, na novela homônima, uma libertária professora que enfrenta o conservadorismo da escola onde ensina em defesa dos direitos dos alunos. Ou a feminista Maria Lúcia Fonseca, do seriado Malu Mulher, uma socióloga recém-separada, de fortes posições em favor da emancipação feminina. Ou ainda a exagerada Maria do Carmo de Rainha da Sucata e a extrovertida Viúva Porcina da Silva, de Roque Santeiro, que de doces mocinhas não tinham nada.

Como, meu desatento leitor? Você não vê novela de tevê? Só de passagem, quando atravessa a sala, de um cômodo a outro da casa? Ah, você não sabe o que anda perdendo. Novela é tudo. Novela é pop. Tá na Globo. Aqui pra nós, sobre o que vocês conversam, quando está com os amigos. Futebol? É bom. Política? Também é bom. Política não era, mas hoje é pop também.

Voltemos: o fato é que para uma parte dos seus muitos fãs, nenhuma daquelas protagonistas pouco doces e menos meigas ainda, nada daquilo fez com que ela deixasse de ser a eterna namoradinha do Brasil. Quer dizer, nada, não. Porque um dia apareceu em seu caminho uma pedra chamada Bolsonaro. Ele mesmo: o mito, o inominável, cuja candidatura a presidente ela apoiou em 2018.

Eleito, Bolsonaro viu na Namoradinha do Brasil, que ainda mantém um jeitinho faceiro, uma possível solução para reduzir o passivo que seu governo vinha acumulando com os artistas e outros agentes culturais. Telefonou e a convidou para ser sua secretária da Cultura, cargo com status de ministro, mas com pouca verba e quase nenhuma autonomia.

Ela pensou, avaliou e aceitou a missão – apesar de alguns conselhos em contrário. Tomou posse no dia 4 de março de 2020, explicando que seu propósito era a pacificação e o diálogo permanente com o setor cultural. Não deu certo. Não houve diálogo, muito menos pacificação. Pouco mais de dois meses depois, deixou o cargo, alegando que queria ficar mais perto da família.

A Namoradinha do Brasil – a essa altura com o rol de namorados cada vez mais reduzido – deixou o governo, mas não abandonou o governante. Pelo contrário seguiu cada vez mais bolsonarista e adotando posições cada vez mais polêmicas e provocativas. Em plena pandemia, por exemplo, usou as redes sociais para manifestar sua posição antivacina. No Dia da Consciência Negra, pediu a criação do Dia da Consciência Branca.

Participou, pelas redes sociais, da campanha pela reeleição de Bolsonaro e aderiu ao receituário golpista, compartilhando notícias falsas e dando apoio a manifestações antidemocráticas por um golpe de estado no país. Na semana passada chegou a um ponto máximo, ao defender práticas semelhantes às usadas pelos nazistas contra os judeus na Alemanha.

Ela compartilhou em sua página no Instagram, ao lado de uma imagem da estrela vermelha, a logo do Partidos dos Trabalhadores, o seguinte texto: “Atenção petistas, coloquem esse adesivo na porta do seu negócio. Mostre que você tem orgulho de quem elegeu”.

A postagem chocou os internautas, pois lembra uma prática nazista: em abril de 1933, as autoridades do regime hitlerista determinaram que os judeus identificassem seus estabelecimentos comerciais e até mesmo escritórios de serviços com a estrela de Davi. Na sequência, espalharam avisos para que os “alemães puros” não comprassem ou utilizassem serviços dos estabelecimentos marcados.  Depois, os próprios judeus foram obrigados a usar a estrela de seis pontas sobre fundo amarelo em suas roupas.

Após intensa repercussão negativa da postagem, que emula a discriminação e a perseguição aos judeus e sugere que a mesma prática infame seja usada contra os petistas, a mensagem foi apagada.

Hoje, os poucos enamorados que restam à atriz Regina Duarte, a antiga Namoradinha do Brasil, estão nas portas dos quartéis pedindo intervenção dos militares para anular a eleição que Bolsonaro perdeu. E só.

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

O original encontra-se em https://www.olabahia.com.br/como-ela-era-doce-meiga-e-gentil-a-namoradinha-do-brasil/