Um dia após o PT inscrever Fernando Haddad no lugar de Lula, o TSE permitiu a Acir Gurgacz levar adiante uma campanha sub judice ao governo de Rondônia (Waldemir Barreto/Agência Senado)

por André Barrocal — Carta Capital
Tribunal de Rondônia havia negado com base no caso Lula. Poderoso e enrolado, senador favorecido foi condenado pelo STF

Tribunal Superior Eleitoral proibiu Lula de ter uma candidatura presidencial sub judice,ao julgar a chapa petista de forma quase sumária, em 1o de setembro. Um dia após o PT inscrever Fernando Haddad em seu lugar, o TSE permitiu a um outro político, este concorrente a governador, levar adiante uma campanha sub judice, enquanto analisa a chapa dele conforme os ritos normais do tribunal.

Achou estranho? Vai ficar mais. Dois dias antes, esse candidato a governador tinha sido derrotado no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de seu estado, em um julgamento que citou a decisão do TSE sobre Lula como justificativa para proibir o político, condenado este ano por crime do colarinho branco, de fazer campanha sub judice.

O sortudo em questão é o senador Acir Gurgacz, de 56 anos, concorrente ao governo de Rondônia pelo PDT, partido do presidenciável Ciro Gomes. Um milionário sobre quem pairam muitas e antigas suspeitas no estado em que fez carreira política – de nascimento, ele é do Paraná.

Gurgacz foi condenado em fevereiro a 4 anos e meio de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Havia sido acusado de pegar dinheiro de um banco público, o Basa, da Amazônia, para fazer uma coisa e usar em outra.

O empréstimo, tomado entre 2003 e 2004, beneficiou uma filial localizada no município de Ji-Paraná, em Rondônia, da companhia interestadual de ônibus Eucatur. Gurgacz já foi prefeito da cidade, e a Eucatur é dele.

A grana do Basa era para financiar a renovação da frota de ônibus da empresa, mas em vez de comprar novos, foram adquiridos chassis de 11 anos de vida para montar em outras carrocerias. Ao agir assim, o senador embolsou 500 mil reais, do total de 1,5 milhão liberado pelo banco, segundo a acusação do Ministério Público Federal (MPF).

Gurgacz foi condenado a cumprir a pena em regime semiaberto, ou seja, pode passar o dia na rua e à noite vai para a cadeia. Em agosto, o MPF pediu ao Supremo que ele comece a cumprir a pena já, o que ainda não aconteceu devido a recursos conhecidos como “embargos”.

Solto de dia, o senador poderia tocar normalmente sua campanha a governador, na hipótese de uma candidatura sub judice, aquela situação em que ainda não há palavra final do Judiciário.

Em 10 de setembro, véspera da troca de Lula por Haddad no TSE, o TRE de Rondônia impugnou a chapa de Gurgacz. Motivo: ficha-suja no caso Basa. E seguiu o que o TSE julgara sobre Lula quanto à candidatura sub judice. Assunto encerrado, nada de fazer campanha na rua e na TV, nem de manter o nome do candidato na urna eletrônica.

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O relator do caso na Justiça Eleitoral de Rondônia, Flávio Fraga e Silva, citou o julgamento do TSE sobre Lula para sustentar que “a exequibilidade da decisão em processos de registro de candidatura é imediata”.

Lula poderia ter uma candidatura sub judice se o TSE não tivesse tomado uma decisão relâmpago, nem tivesse desconsiderado a possibilidade de o petista obter uma liminar no Supremo.

Os advogados de Gurgacz recorreram ao TSE com a alegação de que o TRE não deveria agir com o senador como o tribunal de Brasília agira com a Lula. No caso de Gurgacz, disseram, ainda havia uma segunda etapa decisória, o TSE. No do petista, tudo começaria e acabaria numa única corte.

Curiosidade: a condenação criminal de Gurgacz também começa e acaba num tribunal, o STF. Quado ele foi processado, já era senador e ainda havia foro privilegiado. A situação criminal de Lula é distinta. A última instância, o Supremo, ainda não se pronunciou. O processo do triplex do Guarujá está na penúltima, o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

É do STJ o relator do recurso de Gurgacz no TSE, corte de sete integrantes formada por três magistrados do STF, dois do STJ e dois advogados. Ao dar a liminar para que o senador faça uma campanha sub judice até uma decisão final do TSE, o juiz Jorge Mussi escreveu: “Assegurando-se ao candidato a presença em todos os atos de campanha – inclusive no horário eleitoral gratuito – e a manutenção de seu nome na urna eletrônica”.

“Por que razão jurídica um candidato a presidente teria um regime jurídico diferente do candidato a governador? Por que um candidato a governador pode recorrer do indeferimento e o a presidente não? O TSE errou no caso Lula e a prova está aqui”, diz um advogado experiente em processos no TSE.

O tratamento dispensado a Gurgacz por Mussi, juiz que votou contra a chapa de Lula e a campanha sub judice dele, é prova do que dizem os petistas: o ex-presidente é perseguido pela Justiça, tudo com ele é diferente, inédito? Ou haveria alguma outra explicação?

O senador é poderoso e de família idem. Um exemplo de, digamos, empreendedor que deixou o estado de origem, o Paraná, para ganhar a vida em rincões da região Norte com jeito de faroeste. O presidente do MDB, o enrolado Romero Jucá, é desse time. Pernambucano, se elege senador por Roraima desde 1995.

Na declaração de bens entregue à Justiça Eleitoral, Gurgacz declarou patrimônio de 11,3 milhões de reais. É muito. Mas em Rondônia há quem diga ser bem menos do que ele realmente tem guardado no nome de parentes e empresas.

A Eucatur, aquela sua empresa de ônibus que lhe custou 4 anos e meio de cadeia, está entre os maiores devedores da Previdência, conforme um ranking do ano passado do órgão federal que cobra esse tipo de dívida na Justiça, a PGFN. Tamanho do calote: 480 milhões de reais.

Em uma outra lista da PGFN, a conter dívidas gerais com o poder público, não só com o INSS, duas empresas dele, a Coexp Comércio e Construção e a Amazônia Publicidade, apareciam no ano passado com débitos de 1,2 milhão de reais.

Na eleição de 2014 em que foi eleito senador, Gurgacz teve a candidatura cassada pelo TRE de Rondônia devido à ficha-suja de quem havia inscrito como primeiro suplente e precisou substituí-lo para poder ressuscitar a chapa.

O ficha-suja em questão era seu pai, Assis Gurgacz, condenado pelo desvio de 1 milhão de reais em verba pública. Sua empresa de táxi áreo, um braço da Eucatur, recebera dinheiro do governo de Rondônia por voos inexistentes. Em 2012, a sentença de um juiz de primeira instância foi mantida pelo Tribunal de Justiça do estado.

Assis é um pioneiro da família a deixar o Paraná para desbravar Rondônia. Seu irmão Airton, tio do senador, já foi vice-governador do estado. A empresa de ônibus da família transportou pessoas que também foram tentar a vida por lá entre as décadas de 1970 e 1990.

Em 1990, a eleição para governador foi vencida por um então senador pelo PTB, Olavo Pires, executado à bala dias depois. Em 1993, a Câmara dos Deputados criou uma CPI sobre pistoleiros no Norte e no Centro-Oeste, e a comissão esbarrou no caso Pires. Em seu relatório final, a CPI apontou “fortes suspeitas” de que o crime tinha sido cometido a mando de Assis.

Em sua campanha, segundo relatos da imprensa de Rondônia, Pires prometia acabar com o monopólio das empresas de ônibus, no que seria um recado à família Gurgacz.

Monopolista, a Eucatur mete a faca no preço das passagens. Um exemplo: para viajar da cidade de Vilhena, quase na divisa com Mato Grosso, até Porto Velho, capital de Rondônia, paga-se cerca de 190 reais. Um trajeto de uns 700 km. Para ir de Vilhena a Cuiabá, capital mato-grossense, paga-se de 120 a 160 reais. Um trajeto só ligeiramente mais longo, de 750 km.

Pode ser apenas coincidência: em 2004, o prefeito eleito de uma cidade de Rondônia, Ouro Preto D’Oeste, levou três tiros pelas costas de um revólver calibre 38 quando estava em um restaurante em São Paulo. Irandi Oliveira de Souza também é dono de uma empresa de ônibus, a TCB, ou TransBrasil.

A decisão do TSE de liberar a candidatura de Acir Gurgacz a governador é provisória. O plenário da corte em algum momento ainda julgará o caso.