No início do ano, o então Secretário de Cultura Roberto Alvim performou discurso nazista em propaganda do governo. Foto reprodução /Youtube

Especialistas veem gestos do governo Bolsonaro como gatilho para aumento do extremismo

Grupos extremistas que propagam discursos de ódio contra minorias, embasados por argumentos nazistas e fascistas, estão aumentando no Brasil. Pesquisadora há 18 anos sobre movimentos do tipo, a antropóloga Adriana Dias, doutora pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), identificou um crescimento tanto no número de células neonazistas quanto no engajamento de seus integrantes nos últimos seis meses.

No fim do ano, segundo ela, estavam em atividade 334 grupos no país. Em junho, são 349. Mas o que mais aumentou não foi a quantidade de células, e sim o número de membros de cada grupo. Se há seis meses os engajados nesses grupos não passavam de 5 mil no Brasil, agora já são cerca de 7 mil.

Dias monitora periodicamente o cenário por meio de rastreamento das atividades desses grupos pela internet. “É como se uma parte do país tivesse perdido completamente o contato com a civilização”, comenta ela, em conversa com a DW Brasil.

Sua pesquisa vai ao encontro de um levantamento da organização não governamental SaferNet Brasil, entidade brasileira que promove e defende os direitos humanos na internet.

Dados levantados com exclusividade para a DW Brasil mostram que este mês de junho de 2020 foi o período em que a ONG mais recebeu denúncias de neonazismo desde o início da série histórica, em janeiro de 2006. Foram 3.616 denúncias recebidas pela SaferNet sobre o assunto, referentes a 1.614 páginas diferentes, segundo números consolidados no dia 28 de junho.

Em junho de 2019, foram 31 denúncias, referentes a 25 páginas. O aumento, portanto, é de 11.564%. E a curva é ascendente. Em abril, foram 307 denúncias, referentes a 109 páginas; em abril de 2019, 87 denúncias e 46 páginas. Em maio deste ano, foram 498 denúncias e 204 páginas, frente a 53 denúncias e 42 páginas do mesmo mês do ano passado.

De acordo com a administração da ONG, depois de recebidas as denúncias, são coletadas evidências da materialidade dos crimes e disponibilizadas para análise e investigação do Ministério Público Federal, com quem a organização possui convênio.

Nazismo é crime no Brasil. O artigo 20 da lei 7.716/1989 ressalta que “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”, é passível de “reclusão de dois a cinco anos e multa”. O material deve ser recolhido imediatamente, e as mensagens ou páginas respectivas na internet devem ser retiradas do ar.

Conforme ressalta o advogado Rodolfo Tamahana, coordenador de pesquisa e professor da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília, o Brasil é signatário de dois acordos internacionais contra discriminações a minorias: a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1968 – integrada ao ordenamento jurídico brasileiro –; e a Convenção Americana de Direitos Humanos, mais conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, de 1992.

“Pessoas que participem ou não de grupos nazistas podem responder por crime caso fabriquem, comercializem, distribuam ou veiculem quaisquer símbolos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, com a finalidade de divulgar o nazismo. Nesse caso, para configurar o referido crime é necessária a intenção específica de divulgar o nazismo, não sendo suficiente, por exemplo, apenas a publicação da cruz suástica em um perfil pessoal do Facebook, de acordo com alguns julgados que encontramos”, explica o professor.

“Falta penalização rígida nesse sentido”, avalia o advogado criminalista José Beraldo, que atua na área desde 1981. Ele afirma que o atual cenário não favorece a “diminuição” dos casos.

Terreno fértil

Especialistas associam gestos do governo Jair Bolsonaro como gatilhos para essa onda neonazista. Além da política armamentista, atos recentes são associados ao movimento. Em janeiro, o então secretário de Cultura Roberto Alvim divulgou discurso parafraseando Joseph Goebbels (1897-1945), ministro da Propaganda da Alemanha nazista, com o compositor favorito de Adolf Hitler (1889-1945), Richard Wagner (1813-1883), ao fundo.

Ainda ministro da Educação, Abraham Weintraub declarou em reunião ministerial ocorrida em 22 de abril que odeia os termos “povos indígenas” e “povo cigano”.

No início de maio, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência divulgou um post em redes sociais com frase que lembra slogan nazista. “Parte da imprensa insiste em virar as costas aos fatos, ao Brasil e aos brasileiros. Mas o governo, por determinação de seu chefe, seguirá trabalhando para salvar vidas e preservar o emprego e a dignidade dos brasileiros. O trabalho, a união e a verdade libertarão o Brasil”, publicou o órgão, sobre a pandemia de covid-19. “O trabalho liberta” é a frase que os nazistas afixavam nas entradas dos campos de concentração.

Bolsonaro também compartilhou em seu Facebook um vídeo com a citação “melhor um dia como leão do que cem anos como ovelha”, atribuída ao líder fascista Benito Mussolini (1883-1945).