Procuradores da Operação Lava Jato optaram por não dar prosseguimento a uma denúncia de manipulação de escolha do relator do processo de cassação do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ), preso desde outubro de 2016, mesmo considerando-a importante. O relato da suposta fraude foi feito pelo próprio ex-deputado ao propor delação premiada —não aceita pelo MPF (Ministério Público Federal), informa reportagem desta terça-feira (10) pelo portal UOL em parceria com o site The Intercept.

Segundo a publicação, o procurador da Lava Jato Orlando Martello mencionou supostas “bolas mais pesadas no sorteio da relatoria” do Conselho de Ética em mensagens do Telegram. A denúncia, contudo, não foi averiguada.

O UOL diz ter confirmado com pessoas ligadas a Cunha que sua proposta de colaboração premiada com a Lava Jato incluía essa denúncia de fraude na escolha de relatores no Congresso.

Segundo a reportagem apurou, Cunha acusou o ex-presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PR-BA), de indicar um relator mais favorável ao próprio Cunha. “Bola mais pesada” é uma expressão que sugere manipulação (por ser mais “pesada”, ela se destaca demais) —o sorteio, no entanto, foi feito com papéis.

Pessoas ligadas ao ex-presidente da Câmara relataram que ele denunciou à Lava Jato que Araújo enviou-lhe interlocutores com um “recado”. O presidente do Conselho de Ética, por sua vez, apresentou os nomes que seriam sorteados e depois aquele que acabaria sendo escolhido para relatar o processo: Fausto Pinato (PP-SP). Ouvidos pelo UOL, Araújo e Pinato negaram a existência de fraude.

Cunha, presidente da Câmara na ocasião, abriu o processo de impeachment que culminou com o afastamento da então presidente Dilma Rousseff (PT), em maio de 2016. O próprio Cunha seria cassado e preso pela Operação Lava Jato dez meses depois, em outubro daquele ano.

Em 1º de agosto de 2017, ao analisar documentos em que o ex-presidente da Câmara narrava a suposta fraude na relatoria, os procuradores da Lava Jato se impressionaram, de acordo com as mensagens.

Juristas ouvidos pela reportagem dizem que não se pode ignorar uma denúncia grave. Isso poderia ser considerado crime, já que o Ministério Público não pode escolher o que investigar e o que não investigar.

Nenhuma assessoria dos procuradores que negociaram o acordo quis comentar o fato, alegando sigilo. Sob anonimato, porém, um dos participantes dos chats reconheceu que o modelo de tratar colaborações premiadas do Ministério Público resultava num “tudo ou nada”, o que deixava alguma coisa “para trás”. Ainda assim, segundo esse interlocutor, o saldo das delações seria positivo para a elucidação dos crimes e devolução de dinheiro para o país.

“Acordo Cunha”

De acordo com a reportagem do UOL e do Intercept, as mensagens do aplicativo Telegram foram trocadas em um grupo chamado “Acordo Cunha”. Neles, participavam procuradores das forças-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Rio de Janeiro, Natal e na Procuradoria Geral da República (PGR), em Brasília. Também participavam investigadores da Operação Greenfield, em Brasília.

O grupo foi criado por um procurador da PGR em junho de 2017, quando o advogado de Eduardo Cunha, Délio Lins e Silva Júnior, trouxe uma oferta de colaboração premiada. Ele havia falado com o cliente no presídio, em Pinhais (PR), na região metropolitana de Curitiba.

A maioria dos procuradores que se manifestaram no grupo de Curitiba achava melhor rejeitar a tratativa de acordo com Cunha. No entanto, o procurador Orlando Martello disse que deixar de investigar a denúncia da manipulação de relatores seria “lamentável”.

No dia anterior, em 31 de julho de 2017, o procurador disse que, de todas as informações prestadas pelo ex-deputado, aquele era “o anexo mais interessante”.

O documento com todas as acusações do ex-presidente da Câmara chegou a ser entregue aos procuradores da Lava Jato, segundo apurou o UOL. Ele foi compartilhado duas vezes no fim de julho daquele ano no grupo de Telegram que reunia os investigadores.

A proposta de delação foi rejeitada. Mas parte do grupo de procuradores defendia manter as negociações abertas com Cunha. “Há vários fatos que o Cunha esclarece enquanto que [o doleiro Lúcio] Funaro [que fechou colaboração semanas depois] não consegue, por não dominar a história toda”, escreveu Anselmo Lopes, em 30 de julho de 2017, procurador em Brasília, que atuava na Operação Greenfield e tinha informações sobre os dois casos.

A rejeição à denúncia de Cunha se deu porque ele não tratou de outras pessoas e fatos de interesse do Ministério Público. Eles queriam informações e acusações sobre Carlos Marun (MDB-MS), ex-ministro da Secretaria de Governo de Michel Temer (MDB), autoridades do Judiciário do Rio de Janeiro, fatos de suposta compra de votos para a eleição à Presidência da Câmara e repasses de dinheiro feitos pelo lobista Júlio Camargo e pelo empresário Joesley Batista, da JBS.

Cunha também “concorria” com a colaboração premiada do doleiro Lúcio Funaro, em negociação na mesma época. Os procuradores avaliavam se era necessário fechar acordo com um ou com os dois.

Uol/TheIntercept – imagem: Arquivo