Por Emiliano José – Foto Almir Santana
Desaba o Colon em Salvador:
tudo que é sólido desmancha no ar
O Colon desabou.
Cinzas.
Dele, restaram cinzas.
E um monte de escombros.
A imagem do desabamento, exibida em tempo real.
Coisas dos tempos modernos.
E não tão próximos assim.
Ali por meados do século XIX, o velho Marx e seu inseparável companheiro de lutas e de formulação teórica, Engels, já falavam nisso: tudo que é solído desmancha no ar.
Ao assistir a imagem do prédio do restaurante desabando, logo me veio à mente a frase profética dos dois, desnudando o capitalismo.
Aquilo conceituado como obsolescência planejada, para o capital, aplica-se como uma luva às cidades, e tal obsolescência é cada vez mais curta.
Na nossa curta existência, assistimos à demolição de prédios novos.
No lugar deles, outros prédios, cujo destino será o mesmo, e morte cada vez mais rápida, tudo que é sólido desmancha no ar.
Agora, tem pouco tempo, vi hotéis recentes serem derrubados, no bairro de Ondina, para que tantas torres se erguessem, centenas e centenas de apartamentos com vistas para o mar.
Cai o rei de espadas, cai o rei de ouros, cai o rei de paus, cai, não fica nada.
É o capital, estúpido, quase me xingo depois de ter me quedado estupefato.
Voltei a cair em mim: tudo que é sólido desmancha no ar.
A gente vai, volta, e acaba recorrendo ao velho bruxo e ao companheiro dele.
O Colon não era tão novo assim.
O mais antigo de Salvador, até o momento do fechamento.
Havia sido fundado por espanhóis em 1914.
Fechado em 26 de novembro de 2021 em consequência da pandemia.
Mais de um século de ininterrupto funcionamento.
Muita história passou por ele.
No último dia de existência, um funeral: muitos dos fieis frequentadores foram ao restaurante dar o último adeus, beber alguma coisa que ninguém é de ferro, e provar pela última vez os deliciosos pratos oferecidos pela casa.
Foi frequentado por meia Bahia.
Jorge Amado não só o frequentou como dele falou no livro “O sumiço da santa”,
O famoso romancista e tantas outras personalidades, como um Nelson Rufino, um Tati Moreno.
Ricardo Mello, querido amigo, morando em Goiânia há algum tempo, foi frequentador assíduo.
Recorda dos tempos passados, me falou:
_ É Emiliano, os prédios desabam, a gente desaba, e a vida continua. No caso do Colon, eu frequentei quase que diariamente, quando comecei a trabalhar ali no Comércio.
Não se esquece:
_ Um de meus parceiros de bebida no balcão do Colon foi Caetano.
Calma, nada a ver com o querido Caetano Veloso.
Trata-se de Caetano Marighella, irmão do velho comunista Carlos Marighella.
Já aposentado da Petrobras, ele arrastava dois amigos aposentados, e sentava praça no Colon.
Dividia contação de causos com Ricardo Mello, este um dos melhores cronistas de Salvador, cidade conhecida por ele de cabo a rabo, especialmente o velho Centro Histórico, em fase de dissolução, como dá exemplo o velho Colon.
Ricardo Mello brinca, sobre o Colon:
_ E o vento levou.
Levou.
Quem quiser ver os últimos vestígios da velha Salvador, corra.
À Baixa dos Sapateiros, não vá – você vai chorar.
Ao Largo Dois de Julho, ainda pode ir – os moradores ainda resistem.
Pode ir à Cantina da Lua, do velho Clarindo Silva, está lá de pé, porta de entrada do Pelourinho, ainda resistindo.
Marx falou do sólido se desmanchando.
Teóricos atuais falam em gentrificação, talvez uma atualização de Marx: processo a modificar a paisagem urbana e o perfil social de bairros, a provocar a valorização dos terrenos, expulsar os antigos moradores, entregar tudo ao mercado de mão beijada.
Assim, com a velha Salvador.
O capital imobiliário está numa voragem avassaladora.
Bob Fernandes tem falado muito nisso, denunciado tal especulação..
E não enterram somente prédios.
Não tomar cuidado, e toda uma cultura de inestimável valor é enterrada junto.
Uma parte já foi.
Seremos capazes de preservar o restante?…